Vania Aparecida Souza da Conceição1
Resumo
O presente artigo trata-se de uma revisão bibliográfica para discorrer sobre os efeitos que
a Castração pode gerar na subjetividade do sujeito neurótico, no qual nesta experiência
se insere o Não, a Falta, o Desejo. Compreendendo que seu papel de operador, define a
estrutura do sujeito, regula o desejo, implicando-o a partir de suas colocações, na
inscrição no percurso de vida do sujeito castrado. Proponho aqui a reflexão e análise do
impacto que essa etapa do desenvolvimento infantil pode trazer para estrutura neurótica.
Limito o tema, baseando-se na teoria de Freud e Lacan, numa tentativa de apontar alguns
possíveis desmembramentos desse símbolo na vida adulta do sujeito, tal qual, sua posição
frente seu desejo, seus conflitos e seu estar no mundo.
Palavras Chaves: Castração, Limite, Desejo, Falta.
ABSTRACT
This article is a bibliographic review to discuss the effects that Castration can
generate in the subjectivity of the neurotic subject, in which the No, the Lack, the
Desire is inserted in this experience. Understanding that his role as operator defines
the subject’s structure, regulates desire, implies it from its placements, in the
inscription in the life course of the castrated subject. I propose here the reflection
and analysis of the impact that this stage of child development can bring to the
neurotic structure. I limit the theme, based on the theory of Freud and Lacan, in an
attempt to point out some possible dismemberments of this symbol in the subject’s
adult life, such as, his position in front of his desire, his conflicts and your being in
the world.
Keywords: Castration, Limit, Desire, Lack.
Introdução
Utilizaremos como fonte o estudo sobre a teoria de Freud iniciando a leitura a
partir dos textos de Introdução ao Narcisismo, como um elemento essencial na concepção
do Eu, que se situa como ponto de partida para o processo de desenvolvimento infantil.
Na sequência, os Complexos de Édipo e Castração, fenômeno central do período sexual
da primeira infância. Traremos a leitura sobre a Neurose para compreensão do
funcionamento dessa estrutura, seguido por outros textos que abarcam o mesmo tema e a
introdução de alguns autores contemporâneos que contribuem para a inserção da teoria
de lacaniana nesse artigo, trazendo alguns conceitos importantes para esse entendimento.
Narcisismo: Um Ponto de Partida
No percurso do desenvolvimento infantil, a criança precisa do Outro –agente
cuidador que diz a ele quem ele é, que o nomeia, apresentando-lhe o mundo, sendo
constituída à priori pelos investimentos libidinais dos pais. O Eu em construção possui
uma libido voltada para si mesmo, que se chama autoerotismo. Tais manifestações são
observadas desde o início, mas elas não se dirigem ainda para um objeto externo, cada
elemento libidinal da sexualidade opera de forma individual para obtenção do prazer no
próprio corpo. (Freud, 1914).
“Então deve a ver algo que se acrescenta ao autoerotismo, uma nova ação
(Freud, 1914, p.19),
psíquica para que se forme o narcisismo”
possibilitando que o Eu possa destinar a libido para si e para outros objetos.
Garcia-Roza (1985) descreve a libido como uma pulsão sexual, uma energia
psíquica, que tem por objetivo a satisfação, o prazer. É ela que impulsiona o sujeito para
agir e estabelecer as relações entre si. Independente do objeto, a libido busca se satisfazer,
numa constante tentativa de repetir o prazer experimentado e obtido inicialmente pelo
seio materno. Esse processo se tornará recorrente, pois passaremos toda a vida buscando
nos outros objetos, o prazer que experimentamos com o seio de nossa mãe. (Conceição,
2021b).
Por conseguinte, o investimento libidinal torna-se primordial para o
desenvolvimento do Eu, sendo a partir do deslocamento da libido em si, que a criança vai
se constituindo como sujeito e, é a contar da castração, exercida no Complexo de Édipo, que ela, “Sua Majestade o bebê” (Freud, 1914) até então, única, acolhida, exclusiva,
amada e desejada em sua plenitude, percebe que a mãe lhe falta e que a mãe busca outros
objetos além dela, esse processo gera na criança uma ferida do narcisismo primário.
(Conceição, 2021b).
Portanto, é fato concluir que, o narcisismo e os investimentos de objetos são
elementos fundamentais para a formação psíquica do sujeito, tamanha a importância dos
investimentos narcísicos que a mãe dirige à criança através dos seus cuidados que, de
acordo de como for apresentado, assegurará o lugar no qual a criança estará inserida como
objeto de amor (Catharin, 2019).
Compreende-se que o narcisismo é como um destino possível para a libido e um
reservatório para ela, que pode também se equiparar a um ponto de partida sobre o qual
vão se desenvolver todas as relações de objeto e todos os processos de identificação e
diferenciação do indivíduo em relação ao outro. (Fulgêncio, 2013). Essa etapa do
desenvolvimento infantil, permitirá que a criança esteja se preparando para possíveis
perdas ao longo da vida, assim dando continuidade aos próximos processos de sua
constituição enquanto sujeito.
O Complexo de Castração: a Inscrição do Não
O termo castração na teoria freudiana foi usado pela primeira vez em 1908 no
texto Teoria da Sexualidade Infantil, onde Sigmund Freud a descreveu como um
sentimento inconsciente de ameaça experimentado pela criança quando ela constata a
diferença anatômica entre os sexos. O complexo de castração só existe devido à
importância dada ao órgão genital masculino, assim como a teoria de sua posse universal.
Ele se inicia devido as ameaças sofridas pelo menino por ter seu órgão cortado.
Lacan impõe o complexo de castração como operação simbólica que aponta para
a estrutura subjetiva do sujeito, indicando que todo aquele que passou pela castração não
é mais complexado, mas normatizado em relação ao ato sexual. Entretanto, alguns
questionamentos levam Lacan tentar esclarecer essa experiência em três categorias do
real, simbólico e imaginário (Chemama,1993).
Complexo de castração correlata ao complexo de Édipo, é vivida pelos meninos e
meninas entre os três e cinco anos, no qual tem seu efeito na nomeação do pênis como
órgão sexual, cujo papel simbólico é a completude da falta. O símbolo dessa falta e, portanto, do preenchimento do vazio que ela produz é o falo. Ele é aquilo que a nível
simbólico vem preencher o vazio e organizar as relações dos sexos. (Garcia-Roza, 1985,
p.220).
Partindo dessa “concepção do ser humano como um ser incompleto” que Freud
apresenta o complexo de castração – masculino e feminino – é o efeito dessa eleição do
pênis como órgão cuja função simbólica é o preenchimento da falta. (Garcia-Roza, Idem).
Freud situa a castração como um evento controlador do gozo do exercício sexual,
ou seja, é aquilo que relaciona o sexo à palavra, a palavra ameaçadora, cuja inibição insere
o desejo. Deseja-se aquilo que falta. Que pela palavra, é proibido.
A organização e as implicações do Complexo de castração são distintas no menino
e na menina. O menino receia pela concretização efetiva da ameaça do pai, em detrimento
às suas atividades sexuais, surgindo daí uma intensa angustia de castração. A ausência
do pênis é notada pela menina como um castigo que busca negar, compensar ou reparar
(Laplanche e Pontalis, 2013). É por essa busca que a menina se volta para o pai, ao passo
que a mãe não o possui. O desejo de um pênis se transforma no desejo de um filho do
progenitor, que ela só abandona pelo medo de perder seu amor. (Silvia Ons, 2018, p.154)
É oportuno lembrar, que o tempo que acontece no complexo de castração não é
cronológico, mas é um tempo de experiência inconsciente que não temos como mensurar
o tempo fidedigno. Entretanto, podemos observar como seus efeitos são produzidos ao
longo de vida adulta do sujeito. Em suma, seus efeitos são atemporais pois permitem num
percurso de um processo analítico, buscar e rememorar as lembranças que o atravessaram
na infância (Nasio, 1997).
Segundo Lacan (apud, Silvia Ons, 2018, p.152) a castração se apresenta com um
sentido de uma falta que impacta para sempre o narcisismo e que indica que o prazer
nunca será total e não se limita a uma ameaça, mas, sim, está presente em nossa vida além
do Édipo. Ou seja, o sentido da ameaça e a interdição sofrida pela criança na infância
perpetua seu caminho na vida adulta, presente em como, enquanto sujeito, ele se
posiciona no mundo com seu desejo e em suas relações.
Ao fim da castração, tem a possibilidade de ir em busca de outros objetos de amor
que não a mãe, compreendendo que a mãe não é só dela e que a mãe não só mãe. Que
ocupa outros espaços, vivencia outros papeis, essa separação faz com que a criança se
desloque para outros objetos de amor. A inscrição da falta, do não, da instalação do desejo
a partir da função do Nome do Pai, novos caminhos são percebidos e novos sentimentos
são invadidos à criança, tais como a frustração, a separação, ciúmes, etc.
Complexo de castração no Menino
Na constituição psíquica do menino, ele pressupõe que todas as pessoas no mundo
possuem um genital como o seu, e é impossível conciliar a ausência dele com a ideia que
faz dessas outras pessoas (Freud, 1905, p.104). A criança em sua inocência acredita que
de fato todos são iguais e inconcebível seria ter alguém que pudesse ser distinto dele,
melhor dizer, pessoas que fossem desprovidas de pênis.
Inicia-se o tempo das intensas ameaças verbais de castração, sobretudo sobre suas
ações masturbatórias, como por exemplo brincar com a mão no pênis. Freud descreve
esse ponto partindo da observação do histórico caso do Pequeno Hans, relato de uma fobia
de um menino de 3 anos, construído sob as observações e narrativas do pai do menino à
Freud. Hans é pego pela mãe tocando seu “faz pipi”. A mãe o repreende ameaçando-o:
“Se você fizer isso chamarei o dr. A ele cortará seu faz pipi” (Freud, 1909, p.88).
Ainda aqui o menino sofre repreendas por querer ser o falo da mãe, isto é, o desejo
do desejo da mãe. Ele se identifica com a mãe identificando-se com objeto do seu desejo.
Nesse sentido a criança ainda não é identificada como um sujeito, mas como uma falta.
Melhor dizer, como o complemento da falta da mãe. (Garcia-Roza, 1985 p. 221).
Apesar das advertências sofridas, comumente partirem das mães, como descrito
acima no caso do Pequeno Hans, ameaça e castração é reforçada na autoridade do pai
para cumprimento do castigo (Freud, 1924). A mãe é figura que ameaça, mas seu
cumprimento se efetiva pelo pai. Então, para Freud, o pai aqui, seria um pai castrador, pai
terrível, como o pai tirano da horda de Totem e Tabu. O pai que priva a criança do seu
objeto de desejo e priva a mãe de seu objeto fálico.
Entretanto, o pai aqui não é um pai real, de carne e osso, mas o pai que se prefigura
no discurso da mãe, que o reconhece como homem e o homem da Lei. Neste momento
ela se submete à Lei do Pai. A entrada do pai na cena edipiana priva ambos. É através do
discurso da mãe que o pai exerce a dupla proibição, afastando a criança da mãe e mãe da
criança: 1) Ao filho: “Não dormirás com tua mãe”; 2) À mãe: “Não se integrarás o teu
filho”. É a essa função paterna que Lacan denomina “Nome do Pai” ou “metáfora paterna”
(Lacan, apud, Garcia Roza, p.222).
Nota-se que só é possível a interdição paterna nessa relação por que a mãe,
autoriza sua entrada e aceita também a própria castração. A mãe deixa de ser onipotência e a transfere para o pai (Sbardelotto, 2016). Assim, na castração simbólica, a criança
deixa de ser o falo da mãe e a mãe deixa de ser a lei. O pai passa a ser o falo e sendo a lei
que irá barrar, deslocando o desejo da mãe.
A defesa do menino perante as ameaças de eliminação de seu órgão põe em
evidencia a necessidade de renúncia ao seu desejo. A criança sofre com esse jogo de
interesse entre ter (seu membro viril) e o ser (objeto de desejo da mãe).
Garcia Roza (1985) correlaciona a metáfora paterna ao recalque original. A
castração proferida pelo pai é o recalque do desejo da união com a mãe. A partir da
linguagem o desejo é manifestado e assim, simbolizado produzindo ao Nome do Pai a
clivagem da subjetividade infantil, Consciente e Inconsciente. Portanto, é fato dizer que,
é a inserção da lei que inscreve a criança a constituir-se como sujeito. A separação, pelo
interdito do pai, que a criança se vê além da mãe, seja dito, a criança toma ciência de si
como um ser distinto e é introduzida na ordem da cultura.
A intervenção da Lei paterna coloca o menino na obrigação de escolher o enlace
libidinal com a mãe e o interesse narcisista de conservar seu pênis (Silvia Ons, 2018,
p.154). Sua desistência retira o órgão peniano da cena edipiana, ou seja, escolhe pela
virilidade e consequentemente uma escolha pela procriação e instituição da exogamia,
vigorando a lei de que membros do mesmo totem não podem ter relações sexuais entre
si, ou seja, também não podem se casar, como em Totem e Tabu (Freud, 1912-1913,
p.21).
A legitimação do complexo de castração deve se presentificar sob dois sentidos
concomitantemente na cena edipiana: a visão do menino compreendendo a falta do pênis
na menina e audição das ameaças verbais provenientes das figuras parentais (Nasio,
1997).
O reconhecimento desses sentidos e da probabilidade em ver seu objeto narcísico
ameaçado e efetivamente castrado gera no menino uma angustia de castração.
A angústia de castração funciona, na neurose, como permanência do desejo
(Couto, 2009)
recalcado, permanência da fantasia como resposta a esse desejo, resposta ao
não-sentido do desejo.
Decidindo pela castração (Chemana, 1993), o menino salvaguarda o órgão,
renunciando à sua sexualidade. Os investimentos de objetos e os desejos incestuosos
voltados para as figuras parentais são abandonados e substituídos por identificação. O
complexo de castração põe fim ao complexo do Édipo. Usando a terminologia da segunda tópica freudiana, podemos dizer que a criança se identifica com o superego do pai, sendo
o superego da criança o efeito dessa identificação com o ideal de eu. (Freud, apud Garcia
Roza, p. 223).
Embora o encerramento do Édipo seja através do complexo de castração, ou seja,
pela normalização do gozo nas experiências sexuais, tal normalização não é constante e
nem sempre completa. (Chemama, 1993, p. 30).
Apesar de escolher pelo objeto narcísico e evitar realizar seus desejos incestuosos,
Quinet (2012) o menino poderá realizar seu desejo pela via da fantasia. Ou seja:
(..) é a fantasia da volta ao útero materno, no qual o membro viril entra em
(Silvia Ons, 2018, p.155).
equivalência com o corpo inteiro, e nos ensina que no Édipo se trata da
totalidade do corpo identificado com o falo e que a prevalência do pênis
implica manter essa parte e renunciar ao todo.
Ao abrir mão do todo, ou seja, do corpo inteiro, o menino direciona-se para
constituir sua masculinidade demarcada fortemente pelo pai e que, posteriormente por
identificação, necessariamente se colocará nesse lugar de interdição, prefigurando uma
paternidade posterior. A parte o qual decide ficar, embora seja anatomicamente menor,
possui uma relevância, dado a sua importância.
No momento em que se encerra o Édipo no menino, para a menina é o momento
da descoberta do outro com um órgão diferente e maior que o seu. Inicia-se o Édipo, com
a descoberta de ter sido castrada, pois tem-se a ideia de que seu órgão não é equiparado
ao do menino.
Complexo de Castração na Menina
Embora se desenvolvam de maneira diferente, o complexo de castração da menina
e do menino se dispõe num dado ponto incomum. A crença na universalidade do pênis e
a separação da mãe castrada são precondições necessárias à constituição do complexo de
Édipo em ambos os sexos (Nasio, 1997).
O complexo de castração será o ponto de diferenciação entre os dois casos, pois
enquanto nos meninos o complexo de Édipo se encerra com complexo de castração, na
menina inicia-se. É essa entrada no complexo de Édipo, sob o efeito do complexo de
castração, que leva a menina a se afastar do objeto materno, a fim de se orientar para o
desejo do pênis paterno e, além dele, para a heterossexualidade (Roudinesco,1998, p.120).
Neste caso, o complexo de castração ocorre, mas ela não o teme as ameaças por
ela acreditar não mais possui o órgão genital masculino. Ou seja, a menininha não entende
a sua falta atual como sendo de natureza sexual, mas a explica com suposição de já possuir
um membro igualmente grande e depois tê-lo perdido pela castração (…) a menina aceita
a castração como um fato consumado, enquanto o menino teme pela possibilidade de sua
consumação. (Freud, 1924, p. 253).
Entretanto, a menina apesar de aceitar a castração, obstina-se na expectativa de
um dia talvez, também possuir um genital como o do menino, e o desejo de tê-lo perdura
por longo tempo obstinadamente.
Entretanto, a menina sente-se traída pela mãe, por conseguinte a rejeita e a
recrimina por não ter sido concebida com um objeto inestimável, ou seja, pelo genital
correto e, por tê-la parido como mulher. A menina se isola da mãe.
Enfim, o pai entra em cena no Édipo feminino. Aceitando a privação do pênis, a
menina volta-se para o genitor do sexo oposto e trazendo consigo um novo desejo: o de
ter o pênis (falo) do pai. Transfere seu investimento libidinal para o pai. Ele recusa seu
pedido. Ela frustra-se quando lhe é negado o falo do pai. Essa recusa irrevogável é
recebida pela filha como uma ofensa que põe fim a toda esperança de um dia conquistar
o mítico falo (Nasio, 2007 p. 55).
Enquanto no menino a castração, interrompe o impulso incestuoso com a mãe –
na menina, a consequência de sua castração, é denominado pela psicanálise, como a
inveja do pênis. Já Nasio (2007) prefere chamá-lo de inveja do Falo, apresentando como
um pênis fantasiado, idealizado, símbolo da onipotência e de seu avesso, a
vulnerabilidade. É dessa potência e força que a menina se encontra invejada e não pelo
órgão em si. (Conceição, 2021a).
O sentimento masculino de inveja é substituído pelo desejo de ser possuída pelo
pai, confirmando o enamoramento da menina com o genitor do sexo oposto. Quer se
tornar o falo do pai. Em suas fantasias pensa em casar com ele e para tal, aproxima-se
da mãe numa expectativa de ser como ela, feminina e graciosa, imitando-a para ser objeto
de desejo do pai e dar-lhe um filho.
O pai, recusou o Falo à filha, nega também a possibilidade de a tomar como
mulher e ter um filho dele, segue com mais uma recusa. Essa negação possibilitou a
reaproximação e identificação da filha com a mãe. E permitiu a identificação com o pai,
uma vez que não poderá ter um filho dele, quer ser como ele. E diante da última recusa, a menina dessexualiza seu pai, mas incorpora sua pessoa. Recalca seus desejos para com
ele, sem com isso recusar sua pessoa (Nasio, 2007 p. 56).
A menina substitui o órgão por um filho. Para esse fim, o amor de um parceiro
será fundamental, ao passo que a mulher não teme a perda do falo, mas por carência de
não o ter, a angustia é do medo de perder o amor (Silvia Ons, 2018).
O fim do Édipo é com efeito, um comprido caminho ao longo do qual a menina,
ao se tornar mulher, adotará traços masculinos e femininos e transformará
progressivamente seu desejo de ser possuída pelo pai em desejo de ser possuída pelo
homem amado. Opera-se assim uma lenta dessexualização da relação edipiana com o pai
e, correlatamente, a assunção de sua identidade feminina (Nasio, 2007, p.61).
Castração e Neurose: Efeitos
Depois de abandonar algumas ideias sobre o conceito de neurose, Freud a
denominou a partir de 1897, como uma afecção ligada a um conflito psíquico
inconsciente, de origem infantil e dotado de uma causa sexual. Ela resulta de um
mecanismo de defesa contra a angústia e de uma formação de compromisso entre essa
defesa e a possível realização de um desejo. (Roudinesco, 1998, p.535)
Sustenta o fato de que a origem para o início da neurose é a objeção da realização
dos desejos incestuosos da infância, intrínsecos na organização de nossa gênese. No
processo de castração é necessário que tais desejos sejam reprimidos, para assim, permitir
a entrada do sujeito na Cultura. Para que possa fazer parte da sociedade, o indivíduo abre
mão de seus desejos para estar no mundo.
Em outras palavras, a neurose é o resultado do conflito entre o Eu e o Isso no qual
o fato do Eu não aceitar nem querer conduzir para a descarga motora a pulsão poderosa
do Isso ou de lhe barrar o acesso ao objeto ao qual ela visa. (Freud, 1924, p. 272). Para
manter-se nessa posição o Eu defende-se utilizando-se do mecanismo do recalcamento.
A ideia recalcada luta contra ao esse destino, contorna por outros caminhos pelo qual o
Eu não tenha poder, utilizando-se de objetos substitutos que possam satisfazer-se, o
sintoma que funciona como satisfação substitutivas e drenam toda a energia que poderia,
de outro modo, ser dirigida para as relações objetais (Maurano, 2006b, p.20)
É legitimo afirmar que o Eu, numa tentativa de se defender do Isso, se emprega
ao recalcamento, nesse jogo de força, se aliando as exigências impostas pelo Superego.
Essa instancia da lei, da proibição, do interdito se apresenta nas mais diversas formas
como um agente castrador em nossa cultura, um exemplo seria a Igreja ou ainda pela
herança deixada pelas figuras parentais que inibem o sujeito frente ao seu desejo.
Enquanto, símbolo de interdição e norma, a castração pode se descortinar em
diversas maneiras como disse:
“(…) na forma em que se estabelece as relações com ela, a sua aceitação
ou transgressão através de atos de violência, manifestações no corpo e
do corpo. A castração é proposta, então, como a submissão a uma norma,
postulada em um tempo e lugar”.
Por assim dizer, o agente castrador, o Superego, tem sua origem nas influências
do mundo real exterior (Freud, 1924), por se apresentar como um conjunto de exigências
morais e proibições (valores, cultura, comportamento, costumes) que a criança internaliza
através da autoridade parental após o desfecho do complexo de édipo. Tais imposições
serão levadas pelo sujeito pelo percurso de sua vida. Como Freud resumiu em uma frase:
“O superego é herdeiro do complexo de édipo” Nasio (2007).
Na neurose, a instância do Superego exerce uma força mais eloquente do que o
Isso, sendo este derrotado. O Eu sucumbe as exigências impostas pelo Superego. As
exigências pulsionais do Isso são menos eficazes nesse conflito. O Eu é, portanto, a
instância psíquica que media o recalcamento, isto é, o conflito entre os investimentos
pulsionais do Isso e o mundo externo do Superego.
A estrutura neurótica está em defesa do desejo que foi reprimido. Está na ordem
do desejo insuportável, onde não cabe na consciência.
É possível dizer que a instauração da neurose se dá pela forma como o sujeito se
porta frente ao seu desejo, ou seja, oferecendo a própria castração para sustentar o desejo
do outro. Tal condição se presentifica no percurso das relações de amor e de objeto. A
forma de como se relaciona com o mundo, bem como a herança, de como respondeu ao
desejo do outro. Essa condição esbarra na dificuldade do sujeito em lidar com aquilo
que lhe falta, passando a vida em busca do objeto perdido que não será encontrado.
Algumas Considerações
Propus a reflexão a partir desta breve exposição sobre os efeitos da castração no
sujeito neurótico e, como as experiências vividas nesse período refletem
significativamente nas relações com seu desejo.
O vínculo criado entre as escolhas inconsciente experimentadas pela criança e
suas atitudes na vida adulta ocorre porque cada um se constitui mediante as configurações
que foram significativas na sua infância e como elas foram apreendidas. Amparadas
nestas configurações que o sujeito se portará frente a sua falta e seu desejo no mundo.
Entretanto, é a partir da subjetividade que cada indivíduo irá responder as
exigências desse processo. Aos que a castração foi mais eloquente e rígida, por assim
dizer, uma experiência desfavorável, do ponto de vista que, seus efeitos podem implicar
numa paralisia aos seus desejos e submissão ao outro. Suponho ponderações a respeito,
face aos sentidos que legitimam a castração: visão e audição.
É pelo outro e para o outro, que o sujeito, ainda criança, renuncia ao próprio
desejo, para desejar o desejo do outro. E assim, o sujeito imerso no olhar do outro, se
anula. Tão contraditório é pensar a ambivalência desse olhar. Se constituídos por ele
recebemos investimentos libidinais essenciais a nossa sobrevivência, a posteriori, pode
se tornar um olhar que impunha a lei submetendo-se a um papel de julgo, aprovação,
vigilância.
Tanto quanto a visão, a audição também faz parte deste enredo. A voz que vem
do outro, nos insere a palavra não dita, a voz que antecipa o desejo, um som em forma de
acalanto, encanto. “É a voz da mãe que embala o bebê desde o útero, nina para fazê-lo
dormir, canta durante o banho (…). Essa voz é uma voz perdida, como objeto, que o sujeito
reencontra nos outros” (Quinet, 2012). Que outrora, se transforma na voz que critica que
inibe, que cala.
Estes efeitos atravessam o sujeito ao longa de sua trajetória. É o Superego se
presentificando nesses sentidos, influenciando as relações e comportamento do sujeito
frente ao seu desejo. As funções do olhar e da voz são encontradas em nossa cultura em
forma de vigilância e imperativos. É o superego dizendo o tempo todo como devemos
falar, pensar, nos comportar, agir. (Idem.)
A função de norma reguladora exercida pela castração, gera sentimentos como
medo, submissão, indecisão, entre outros, porém é importante ressaltar que embora
capturado por esse olhar e pela voz, o sujeito tem escolhas e saídas para tentar se a ver
com isso, pois ao longo de sua jornada é possível criar laços mais flexíveis. Objetivo é
pensar a dualidade dos sentidos tão presentes e fundamentais para validação da castração
e como eles se desdobram em caminhos distintos da origem desse processo.
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Formanda em Psicanálise (IBRAPCHS); Pós-graduação em Terapia de família (UCAM); Bacharel em Serviço
Social (UFF/RJ). E-mail: vaniamaxpel@hotmail.com