CARMEN LÚCIA DOS ANJOS LOPES
RIO DE JANEIRO
2020
INTRODUÇÃO
Este tema tem como objetivo abordar o caso clínico, descrito por Freud,
na análise da fobia de um menino de cinco anos que foi publicada no ano de
1909, acerca da angustia. O sintoma que acomete o menino é o medo de
cavalos (ser mordido, do barulho…). A fobia de Hans surge entre os três e os
cinco anos de idade, na fase fálica, onde ele apresenta o interesse pelo
nascimento dos bebês, pelos órgãos sexuais e o envolvimento por uma série
de fantasias ligadas a masturbação, a escopofilia (observar órgãos, corpos
nus), ao Édipo e ao sentimento de castração.
O caso chega até Freud, porque os pais da criança tinham amizade com
ele e também pelo desejo de dar a essa criança uma educação pautada no
respeito as suas próprias vivências e experiências e com a liberdade de
expressão. A seguir é apresentado a descrição do caso conforme os relatos de
Freud (1909).
A psicanálise e o infantil: o caso do pequeno Hans
Hans é um menino de cinco anos, que, de acordo com os relatos de
Freud e do próprio pai, é muito esperto, participativo, carinhoso e cheio de
questionamentos – o que desperta certa perplexidade. Max Graf, o pai do Hans,
interessado em psicanálise, comunicava-se com Freud, frequentemente, por
meio de cartas, relatando o que acontecia na rotina deles e como o pequeno
Hans se comportava em alguns momentos. Essa correspondência relata que o
pai levara Hans para conhecer Freud, que, então, teve a oportunidade de
conversar, por uma única vez, com a criança. Freud afirma que as forças
motivadoras de todas os sintomas neuróticos de um futuro adulto são
encontradas na sexualidade infantil.
Hans, aproximadamente aos três anos, apresentava uma intensa
curiosidade infantil, por sua genitália, que ele chamava de “pipi” comparando
seu próprio com o de seu pai e de sua mãe. Aos três anos e meio, Hans foi
pego por sua mãe manuseando seu pênis, movido por um impulso erótico pré-genital. Neste momento a mãe, o ameaça dizendo que o Dr. A iria
cortar/castrar seu pênis. A mãe pergunta a ele como faria xixi e ele responde
pelo traseiro. Neste momento Hans experimenta o complexo de castração.
Para a psicanalise o Complexo de Castração, segundo Laplanche p. 72 é o
complexo centrado na fantasia de castração, que proporciona uma resposta ao
enigma que a diferença anatômica dos sexos (presença ou ausência de pênis)
coloca para a criança. Essa diferença é atribuída a amputação do pênis na
menina. A estrutura e os efeitos do complexo da castração são diferentes entre
os sexos. O menino teme a castração como uma ameaça paterna em
respostas as suas atividades sexuais, surgindo daí uma intensa angustia de
castração. Na menina, a ausência do pênis e sentida como um dano sofrido
que ela procura negar, compensar ou reparar. O complexo de castração está
em estreita relação com o complexo de Édipo.
Hans observa na estação uma locomotiva, da qual sai água, ele indaga
se ela também tem “pipi”. Como não o encontra ele conclui que as pessoas e
animais tem pipi, mas os objetos não. Ele diz: “Um cachorro e um cavalo tem
pipi, a mesa e a cadeira não”. Dessa forma, descobriu a diferença entre os
objetos animados e inanimados, diferenciando-os a partir do referencial de ter
ou não pipi.
Com a mesma idade ocorreu o nascimento da irmã Hanna,
acontecimento que gerou a Hans imensas indagações e desconfiança que
impulsionou Hans na busca de entender qual a relação existente entre os
elementos: mãe, cegonha, pipi e o sangue visto na cena do pós-parto e o bebê.
Hans ficou com ciúmes da irmã. Seu interesse sobre a origem das crianças
persistia juntamente com seu intenso interesse relativo aos pipis. Com sete
dias de nascida, durante o banho, Hans observa que o pipi de sua irmã ainda
era bem pequenininho, e afirma que ele ainda ficaria maior quando ela
crescesse. Alguns meses mais tarde, concluiu que sua irmã havia ganhado um
pipi pequenininho.
Segundo Dunker, Hans dá sinais de uma transferência com Freud
quando no caminho de casa, Hans perguntou ao pai: O professor conversa
com Deus? Parece que já sabe de tudo, de antemão”! “Eu (Freud) ficaria
extremamente orgulhoso vendo minhas deduções confirmadas pela boca de
uma criança, se eu próprio, não o tivesse provocado com minha ostentação, a guisa de brincadeira”. Segundo Laplache, 2001, a transferência é o processo
pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no
quadro da relação analítica de um certo tipo de relação estabelecida com eles.
Fica notório a importância da confiança estabelecida entre Hans e Freud, para
a investigação da origem fóbica do menino, deve–se considerar que de fato
houve transferência entre o pai de Hans e Freud e com esta transferência foi
inaugurado o campo analítico, O tratamento de Hans só foi possível devido a
confiança que Freud despertou nos pais em relação ao seu lugar de saber.
Freud passou a receber diariamente relatos deste caso.
Hans interagia e estabelecia uma relação amorosa, usava de palavras
doces e gestos carinhosos com outras crianças. Por exemplo, a vizinha, filha
do senhorio, onde podemos notar a existência da escolha de um objeto.
Observamos também uma disposição a bissexualidade entre ele e um primo,
que também abraçava e falava de seu amor por ele: “Eu gosto tanto de você.”
Em um episódio envolvendo uma das outras crianças merece especial
atenção. Mariedl, filha do senhorio tinha treze anos e costumava brincar com
Hans. Certa noite Hans disse, para sua mãe, querer que Mariedl dormisse com
ele. Cabe ressaltar que, até pouco mais de quatro anos, Hans ainda dormia no
quarto dos pais, indo para a cama deles “mimar” com sua mãe todas as
manhãs. Seu pai, timidamente, fez esforços em cortar essa ida à cama dos
pais, porém, a mãe de Hans tomava o filho em sua cama mesmo assim. Neste
caso, Hans insistiu em dormir com Mariedl, pedindo aos pais que ela fosse
dormir com ele e os pais na cama da família. Este é um grande exemplo de
sentimentos eróticos normal da infância. Implicitamente, há um desejo, dele,
que Mariedl fizesse parte da sua família. Freud atribui essas questões de
deslocamento de afeto, ao fato de Hans, não ter uma criança para brincar, pois
se faz necessário para o desenvolvimento infantil.
Tivemos outros episódios, de enamoramento, o menino Fritzl, a vizinha
do apartamento da frente, e a pequena dama que frequentava o mesmo
restaurante que sua família e tantas outras.
Hans estava em outra cidade e passava o dia inteiro com os filhos do
senhorio. Ao retornar para casa pensamos que ia ficar triste, mas estava
contente. Somente um tempo depois e que ele fantasiava que estava brincando com as crianças, conversando com elas e chamando as meninas de “suas
filhas” e que elas tinham sido trazidas pela cegonha.
Seu pai fez, por acaso, uma anotação de muitas coisas que mais tarde
redundaram em algo de valor inesperado. “Desenhei uma girafa para Hans”.
Ele me disse: “Desenhe também o pipi dela”. “Desenhe você mesmo”,
respondi; ao que ele acrescentou essa linha à minha figura, dizendo que o dela
era mais comprido.
Por essa época, relata seu primeiro sonho, o qual envolvia um jogo de
prendas, baseado em um jogo que Hans jogava com seus amigos. Porém, no
sonho, a prenda consistia em ser obrigado por outra pessoa a fazer pipi. O pai
de Hans ajudava-o a urinar na rua, oportunizando uma inclinação sexual na
figura de seu pai. No início, ele urinava observado pelas amigas, mas depois
pediu para fazer atrás da casa, pois não desejava mais ser observado. Seu pai
observou que seu exibicionismo, tinha sucumbido a repressão.
Com quatro anos e meio Hans viu, novamente, darem banho em sua
irmã Hanna e riu, justificando que era porque o pipi de Hanna era bonito. Na
interpretação do pai de Hans, o menino não estava rindo porque achava o pipi
de Hanna bonito, mas sim porque o achava engraçado, marcando esta como a
primeira vez em que Hans reconheceu a diferença entre os genitais masculino
e feminino, ao invés de negar a existência da diferença.
Hans possuía um desejo enorme de estar com sua mãe para poder ser
“mimado”, e para alcançar seu objetivo recorria, não apenas de suas fobias
(Segundo Roudinesco, p.257, fobia é um sintoma onde utilizamos a expressão
histeria de angustia, uma neurose de tipo histérico, que converte uma angustia
num terror imotivado, frente a um objeto, um ser vivo ou uma situação que não
apresenta em si nenhum perigo real), medo de dormir sozinho (terror noturno)
e medo de cavalo mas também da ausência do pai para estar ao lado da mãe,
em sua cama, seu grande objeto de desejo. Segundo o pai, a mãe era muito
permissiva e responsável pelos mimos em excesso de Hans e o pai, pela sua
função paterna, tentava a todo instante fazer esse corte, separando os dois e
mostrando a Hans sua posição de filho. Este fato facilitou a intensificação do
amor edipiano pela mãe e aumentou a hostilidade para com o pai.
Seu pai perguntou sobre seu medo de cavalos, Hans respondeu que
tinha medo de todos os cavalos que tinham uma coisa na boca. O pai disse que era um pedaço de ferro e Hans falou que era uma coisa preta. O pai
respondeu que por acaso, seria um bigode, Hans riu e respondeu que não,
talvez pela cor preta, talvez um focinho. O pai estava tentando fazer com que
ele acreditasse que tudo isso era uma grande “bobagem”.
Hans dizia que os cavalos mordiam e que tinham pipis grandes tal como
as pessoas grandes. Seu medo se tornava ainda maior à noite, quando podia
estar sob os mimos da mãe e a chegada do cavalo poderia separá-los dizendo:
“O cavalo vai entrar no quarto”. Convém mencionar, que Hans ao observar os
pipis dos cavalos, estava comparando o tamanho de seu próprio pipi e o dos
grandes animais, que o lembravam a todo tempo do mínimo tamanho do seu
próprio pênis, o que tornava os cavalos figuras tão desagradáveis, a Hans. E
ele tentava convencer-se, de que o seu próprio pênis iria crescer junto ao seu
tamanho, já que ainda estava no mesmo lugar. Essa observação devesse ao
fato de ter sido ameaçado por sua mãe a ter seu pênis cortado, por ter sido
encontrado “brincando” com ele Tal ameaça não havia produzido nenhum
efeito e uma saída eficiente foi apresentada por Hans dizendo que faria xixi
pelo seu traseiro. Um tempo depois, a ameaça de castração produziu efeito,
resinificando uma experiência vivida, no universo infantil.
Freud combinou com seu pai que ele diria a Hans que era bobagem tudo
aquilo relacionado a cavalos e que, na realidade, Hans gostava muito de sua
mãe e queria que ela o levasse para sua cama. A partir daí “bobagem” foi a
palavra utilizada por todos ao se referir ao medo de cavalos. Freud reparou que
a fobia de cavalos era um obstáculo para o menino ir à rua, pois, dessa
maneira, ficaria em casa com sua mãe. Seguindo os conselhos de Freud, o pai
de Hans dá esclarecimentos ao filho sobre os pipis, incluindo os pipis da mãe e
da irmã de Hans. Ainda assim, Hans continuou confuso. Segundo Freud, a
confusão se dava por ele ainda lembrar-se da ameaça de sua mãe de cortar
seu pipi fora caso ele colocasse a mão nele, ação que ele continuava a fazer
durante as noites. Os pais chegaram a sugerir a ideia de Hans dormir
imobilizado em saco de dormir, como medida de diminuir suas angústias
noturnas. Hans juntava as informações sobre os pipis de Hanna e de sua mãe,
mesmo sem acreditar totalmente nelas, com a ameaça de cortar o seu fora
resultando, segundo Freud, em seu complexo de castração.
Max e Hans foram ao encontro de Freud para tentar compreender sua
fobia por cavalos. Durante o encontro, esse o indagou se o medo que tinha de
cavalos era o medo que tinha de seu pai lhe tirar de sua mãe e acrescentou
que ficava preocupado de seu pai ficar triste com ele. Sua preocupação estava
ligada ao desejo por sua mãe e suas tentativas insistentes em separá-los e
também pelo constante hábito de tocar seu pipi, fantasias essas ligadas aos
seus desejos, causando-lhe satisfação. Seu pai, entretanto, disse-lhe que o
amava e que de forma nenhuma o abandonaria como Hans pensava ser
possível. Esse amor pelo pai tinha ficado muito claro numa das conversas em
que havia tido com ele quando foi à procura de seu pai em sua cama:
Então por que hoje você veio?”, perguntei
(Freud, 1895)
Hans: “Quando não tiver mais medo não virei mais.”
Eu: “Então você vem para junto de mim porque está assustado?”
Hans: “Quando não estou com você eu fico assustado; quando não estou na cama junto com
você, então fico assustado. Quando eu não estiver mais assustado eu não venho mais.”
Eu: “Então você gosta de mim e se sente aflito quando está na
sua cama de manhã? E por isso é que você vem para junto de mim?”
Hans: “Sim. Por que é que você me disse que eu gosto da mamãe
e por isso é que fico com medo, quando eu gosto é de você?”
Ele compreende que não pode tomar a mãe como objeto de desejo
porque a mãe pertence ao pai. Deseja então eliminá-lo, para poder ter a mãe
como seu objeto, livre de sua interferência, mas possui também, sentimentos
de admiração pela figura paterna, desenvolvendo assim um sentimento de
ambivalência em relação ao pai. Ama o pai, mas nutre sentimentos hostis
contra a figura paterna, que passa a ser empecilho na relação entre ele e a
mãe. Freud usa a expressão Complexo de Édipo (Freud propôs pela primeira
vez o conceito de complexo de Édipo em seu livro de 1899 A Interpretação dos
Sonhos, embora ele não tenha formalmente começado a usar o termo até o
ano de 1910). Segundo Laplache (2001, p.99), o complexo de Édipo é o
conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança sente em
relação aos pais. Segundo Freud o apogeu do complexo de Édipo e vivido
entre os três e cinco anos, durante a fase fálica e o seu declínio marca a
entrada do período de latência. Ele desempenha papel importante na estrutura
da personalidade e na orientação do desejo humano.
Hans estava na fase que Freud denomina de Complexo de Édipo,
período em que ele passa a ter um interesse muito grande pelos órgãos
genitais, de sua irmã recém-nascida, de seus pais e o seu próprio. Essa
descoberta é natural na criança, que deseja a mãe para si, como objeto de
desejo e, ao mesmo tempo, tem o pai como figura de castração. Hans se
espelha no pai, por representar, para ele, um Ego ideal, pois possui o que ele
deseja, que é a mãe. Segundo Freud, Hans quer ser o pai, o que gera o
conflito, e deseja matá-lo. Hans entende que existe uma relação entre seus
pais. Essas características eram oriundas das ansiedades do menino e esse
conflito desencadeia o medo de cavalos.
Na verdade, o medo de cavalos caindo era a queda de seu pai, o desejo
inconsciente da morte de seu pai que precisava ser recalcado pelo menino.
Hans, com o tempo, numa tentativa de elaborar todas as suas questões passou
a brincar de cavalo, sendo ele mesmo o cavalo que morde seu pai e que o
desafia, comportamento esse questionado pelo seu pai abrindo a possibilidade
de a criança não mais ter medo dele- a cavalo.
Numa noite, Hans entra no quarto dos pais, mas disse que não estava
com medo e no dia seguinte contava para eles. Ele contou que durante a noite
havia uma girafa grande no quarto, e uma outra toda amarrotada e que a
grande gritou porque ele tinha levado a amarrotada para longe dela. Ela
parou de gritar e então eu sentei em cima da amarrotada. Seu pai descobriu a
solução da fantasia da girafa grande era o pai, ou melhor, o meu pênis
grande (o pescoço comprido), e a girafa amarrotada é minha esposa, ou
melhor, seu órgão genital.
Segundo Hans esse barulho que fazia com os pés (esperneando)
acontecia quando estava zangado ou quando, estava brincando, precisava
fazer “lumf” (o termo lumf era usado para evacuar). E surgiu quando Hans fez
uma relação entre suas fezes e uma meia, devido a semelhança de forma e
cor. Dias depois, o pai de Hans ponderou que um cavalo de ônibus que cai e
faz barulho com suas patas assemelha-se “lumf” caindo e fazendo barulho.
Ainda em relação aos cavalos, o pai de Hans ao vê-lo assustar-se entre os
portões e “um traseiro”, ao que Hans concordou e confirmando essa hipótese
acrescentou que os cavalos seriam “lumfes”.
No episódio do ‘lumf” Hans apresentou nojo ao ver as calças amarelas e
as pretas de sua mãe, o que segundo Freud se processava porque o prazer
que anteriormente sentia ao ver as calças da mãe, com a repressão, tinha se
transformado em nojo, logo se envergonhava. “Na realidade, vestir e tirar as
calças eram parte do contexto do ‘lumf”. Seu pai estava ciente de tudo e
também, daquilo que Hans tentava ocultar. (Freud, 1909 p.66) Freud conclui
que o tirar e colocar as calças, referia-se na verdade em fazer “ lumf”, o desejo
de ver sua mãe fazer “lumf”, já que ela mesma tinha permitido que ele visse,
por insistência da criança.
Pouco tempo depois, numa época em que Hans ia ao quarto dos pais,
mas era mandado embora, o menino narra uma fantasia que teve a respeito da
banheira: “Papai, eu pensei uma coisa: eu estava no banho, e então veio o
bombeiro e desaparafusou a banheira. Depois ele pegou uma grande broca e
bateu no meu estômago”. (Freud, 1909. p. 64). A interpretação dada pelo pai
de Hans foi a de que o menino tinha medo de cair dentro da banheira. A mãe
era quem dava banho em Hans, que confirmou que seu medo era o de que a
mãe o deixasse cair e ele afundasse sua cabeça na água. Hans havia visto sua
mãe dar banho em Hanna, e seu pai perguntou-lhe se ele gostaria que sua
mãe deixasse Hanna cair na banheira durante o banho. Hans afirmou que sim,
levando tanto Freud quanto o pai de Hans, a dar mais atenção aos sentimentos
de Hans sobre sua irmã menor. A partir daí, Hans passa a falar, sobre o
nascimento de sua irmã e sobre a mentira contada por seus pais acerca dela
ter sido trazida por uma cegonha. Em determinado diálogo, Hanna é
comparada a um ‘lumf’, confirmando a teoria de Freud de que um bebê poderia
ser equivalente a fezes na ordem simbólica. Essa era uma fantasia de
procriação, distorcida pela angustia de Hans. De acordo com o pai, esta cena
significava a banheira (ventre), a grande broca (pênis), o desparafusar
(abertura), todos os elementos estavam lá, e Hans tentava dizer, mesmo que
de forma distorcida, que tinha representações sobre a gravidez, o parto e o
aparecimento da irmãzinha Hanna. Seguindo suas fantasias e brincadeiras, a
criança pôde ressignificar suas angústias, acolher seus desejos e submeter-se
à castração.
Anos depois Hans cresceu, e se apresentou a Freud, e disse que estava
bem e que não sofria de nenhum problema ou inibição. Tinha atravessado a adolescência sem nenhum dano e que tinha sofrido com o divórcio de seus
pais e que cada um deles tinha casado novamente e que tinha se separado de
sua irmã de quem tanto gostava. Ele não se lembrava de nada do que tinha
acontecido, isto é, a amnesia tinha sido superada pela própria amnesia. Ele
tornou-se um produtor de opera, criativo, sonoro. Freud deu Hans como um
caso curado pela psicanalise.
CONCLUSÃO
Quando Freud propôs a analise dessa criança, o que ele pretendia era
comprovar seus descobrimentos sobre a sexualidade infantil. Freud não
acreditava que fosse possível analisar uma criança, mas a experiência com
Hans fez com que ele mudasse de ideia. Esse caso foi um marco na
Psicanalise. Articulando as teorias sexuais infantis ao complexo de Édipo,
Freud demonstrou que a realidade psíquica da criança se assemelha à do
adulto em sua angustias, fantasias e desejos.
O estudo da fobia de cavalo, no menino, comprovou nos pontos de vista
de Freud em relação as fases do desenvolvimento da criança. Esses pontos de
vista tinham se baseado em reconstruções traumáticas na análise de adultos.
A fobia é um tipo de sintoma, que a pessoa adquire um medo forte
dirigido para um objeto (animal, pessoas, situações…). As fobias são sintomas
de certa forma transitória, geralmente frequentes em crianças que organizam a
sua vida de fantasia, resolvendo seu lugar na família, relação no mundo e com
a lei. Frequentemente a fobia está associada ao terror noturno ou uma
proximidade maior com a mãe. A fobia de Hans era produto de uma
deformação, um deslocamento do medo de ser castrado. Hans escolheu o
cavalo como objeto simbólico, representava seu pai (interdição, lei) apesar dele
gostar (bom), em sua fantasia, ele era ameaçador, como se tivesse poder de
esmaga-lo, gerando medo nele.
De início toda criança e autoerótica e se satisfaz consigo mesma, o
prazer é nas zonas erógenas do corpo (pipi e excreção anal). Toda criança está sujeita a bissexualidade e todos um dia na vida fizeram em seu inconsciente
uma escolha de objeto homoerótico (meninas e meninos).
Hans vivenciou o exibicionismo e a escopofilia que é o prazer de ser
visto realizando funções excretoras e o de olhar causando excitação sexual.
A descoberta das diferencias de gênero, Hans negou a ausência de um
pênis na mãe, pois se a mãe não tinha pênis e porque perdeu e ele também
poderia perder o seu, intensificando assim a ameaça de castração, só assim
mais tarde ele pode elaborar e aceitar a diferença.
O medo de cavalos restringia sua liberdade, impedia-o de sair de casa
mas obtinha com isso ficar perto da sua mãe (amor Edipiano).
A fobia por cavalos (pai) desdobrou por uma fobia de cavalos que estão
engatados com uma carroça (mãe). Essa relação dos dois objetos
problemáticos, traz a fobia, que é a maneira da criança resolver o que uniu a
essas duas pessoas (pais). Essa descoberta angustiante, gerando medo e
desamparo ela é o protótipo da nossa experiência traumática. A imagem do
trauma é constitutiva do sujeito. A invenção da fobia infantil e o encontro com o
traumático, que traz a sexualidade à tona, que os pais têm uma sexualidade,
fazendo com que Hans sinta-se insuficiente para esses pais (chegada da irmã)
que ele não é razão de ser para seus pais (narcisismo). A fobia (sintomas) e o
trauma (gera sintomas) andam juntos, e são inerentes ao sujeito.
A fobia é uma solução básica, quando crescemos, descobrimos que o
mundo não gira em torno de nós mesmos.
Esta analise só foi possível porque, estabeleceram–se a demanda, a
transferência e a interpretação. A demanda, foi formulada, quando Max
procurou Freud, para aliviar os sintomas fóbicos do filho. A transferência pode
ser reconhecida quando Freud ocupou o lugar de analista para Hans, porque
ele sabia que o pai escrevia as cartas para Freud (prof.), portanto o referencial,
“ o Outro”. A interpretação feita por Freud, referente a fobia de cavalos mostra,
uma retaliação paterna por causa dos desejos eróticos pela mãe.
Segundo Costa 2007, faltava a descoberta do brinquedo como recurso
que o analista utilizaria para acessar o inconsciente infantil.
Segundo Freud em 1908, no artigo, ”O poeta e a fantasia” ele introduziu a ideia
de que a brincadeira da criança correspondia a fantasia no adulto. Lembrando que a psicanálise infantil tem uma especificidade própria em relação a clínica
do adulto, ela diz respeito ao sujeito em construção. Usamos a ludoterapia, e
deixamos a criança livre, ela brinca com o que encontra a sua frente,
expressando-se, descarregando seus desejos e angústias revelando
sentimentos e emoções.
O jogo ou brincadeira se apresenta como uma ab-reação, uma descarga
de um quantum de energia desejante que ao não se realizar no cotidiano passa
a ser realizada de maneira simbólica sob a forma teatralizada do jogo. Assim, o
prazer no jogo/brincadeira não é somente jogar/brincar como fim em si mesmo,
mas também, como manifestação e descarga de uma tensão psíquica. Nesse
teatro dramatizado do jogo ou da brincadeira, o sujeito que vive um drama,
uma tensão ou uma experiência significativa, torna-se senhor onipotente da
realidade. É ele quem conduz o jogo e define os papéis de si e dos demais
jogadores em sua cena imaginária. Se na realidade ele vive situações de
impotência ou passividade, no jogo ele se torna potente e ativo. Se na
realidade ele se vê vitimado por uma dada situação, no jogo ou brincadeira ele
se vinga de tal situação. A linguagem simbolizada das manifestações lúdicas
acaba por revelar sentimentos e emoções que de outra forma poderia ser difícil
de serem reveladas por parte da criança, não somente por sua dificuldade
inerente à própria idade o que remete à ainda ausente capacidade de
abstração, mas pela força da censura, do medo à transgressão e do pavor do
sentimento de perda, de castração. No contexto psicanalítico, podemos
considerar que o fulcro de todo jogo/brincadeira, ancora-se nas fantasias
inconscientes e conscientes. O jogo garante certa plasticidade, certa unidade
na forma desses sentidos; cria-se uma trama lúdica, com enredo, com
personagens que falam uma fala silenciosa por intermédio da “boca” de
animais, de objetos e de personagens “fictícios” que, na realidade, pode ser a
fala da própria criança.
Referência Bibliográfica
COSTA, Teresinha. Psicanalise com crianças. 3 ed. Rio de Janeiro: Zahar,
2007.
DUNKER, Christian. O que são e de onde vêm as fobias? | Christian Dunker |
Falando nIsso 8. 2016. (6m00s). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=2hgExNeShzc>. Acesso em: 04 dez. 2020.
DUNKER, Christian. O caso do pequeno Hans | Christian Dunker | Falando
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<https://www.youtube.com/watch?v=kcTgI27Mq1A>. Acesso em: 25 dez. 2020.
Espaço psicológico. #67 – A fobia do pequeno Hans e a sexualidade infantil
(Psicanálise). 2020. (8m46s). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=rFc6n59YKSk>. Acesso em: 25 nov. 2020.
FREUD, Sigmund (1905) Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Edição
Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud.
Volume VII. Rio de Janeiro: Imago, 2006.
FREUD, Sigmund. Analise de uma fobia em um menino de cinco anos (1909).
Disponível em: <http://www.freudonline.com.br/livros/volume-10/vol-x-1-analise-
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FREUD, Sigmund (1909) Analise de uma fobia em um menino de cinco anos.
Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund
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Martins Fontes, 2001. 99p.
ROUDINESCO, Elisabeth. Dicionário de psicanalise/ Elisabeth Roudinesco,
Michel Plon; tradução Vera Ribeiro, Lucy Magalhaes; supervisão da edição
brasileira Marco Antônio Coutinho Jorge. – Rio de Janeiro: Zahar, 1998.