DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO PENSAMENTO FREUDIANO DE PULSÃO

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MARLI SOARES DA SILVA, PAULA F. MACHADO BAUER E FABIANO BAUER DE OLIVEIRA (14/03/2020)

PULSÃO

Definição: Pulsão designa, em psicanálise, um impulso energético interno que direciona
o comportamento do indivíduo. O comportamento gerado pelas pulsões diferencia-se
daquele gerado por decisões, por ser aquele gerado por forças internas, inconscientes,
alheias ao processo decisional.

Histórico:

1895 – O termo pulsão já havia sido usado, mas não conceituado, no Projeto Para Uma
Psicologia Científica.

…é assim que surge no interior do sistema o impulso que sustenta
toda a atividade psíquica. Conhecemos essa força como vontade – o
derivado das pulsões.”

(Freud, 1895).

Ele apresenta o aparelho psíquico como uma rede de neurônios capaz de transmitir e
transformar a energia que impulsiona o sistema no funcionamento da atividade psíquica
normal e possíveis distúrbios.

1900 – Interpretação dos Sonhos – A primeira edição de A interpretação dos sonhos foi
lançada no final de 1899 (com data de 1900) numa tiragem de apenas seiscentos
exemplares, que levaram oito anos para serem vendidos. Mais de um século depois,
ele se tornou um dos livros mais influentes da época moderna, com incontáveis
edições em dezenas de línguas.

“Seguimos uma cadeia de associações que parte de um elemento até
que, por uma razão ou outra, ela parece romper-se. Se tomarmos
então um segundo elemento, é de se esperar que o caráter
originalmente irrestrito de nossas associações se estreite, pois ainda
temos a cadeia anterior de associações em nossa memória e, por essa
razão, ao analisarmos a segunda representação onírica, é mais
provável que esbarremos em associações que tenham algo em comum
com as da primeira cadeia.”

(Freud, 1900).

Podemos perceber, portanto, a natureza associacionista da teoria freudiana. Esta
associação ocorre dentro de uma cadeia de significantes. Daí vem, portanto, o método
da associação livre, criado por Freud. É através dela que o sujeito fala, é a fala do
inconsciente.

Esta cadeia de significantes, porém, apresenta uma dificuldade. Quando o sujeito entra
na linguagem é preciso abrir mão dos objetos para lidar apenas com as representações
destes objetos. E o significante, por si, não significa nada. Ele pode se atrelar a qualquer
significado. Não há um sentido último nesta cadeia. É daí que vem a insuficiência da
linguagem. Algo sempre lhe falta.

1905 – Freud introduz o conceito de pulsão em seus Três Ensaios sobre a Teoria da
Sexualidade. Sobre ela, ele escreve:

“Por pulsão podemos entender, a princípio, apenas o representante
psíquico de uma fonte endossomática de estimulação que flui
continuamente, para diferenciá-la do estímulo, que é produzido por
excitações isoladas vindas de fora. Pulsão, portanto, é um dos
conceitos da delimitação entre o anímico e o físico. A hipótese mais
simples e mais indicada sobre a natureza da pulsão seria que, em si
mesma, ela não possui qualidade alguma, devendo apenas ser
considerada como uma medida da exigência de trabalho feita à vida
anímica. O que distingue as pulsões entre si e as dota de propriedades
específicas é sua relação com suas fontes endossomáticas e seus
alvos. A fonte da pulsão é um processo excitatório num órgão, e seu
alvo imediato consistem na supressão desse estímulo orgânico.”

(Freud, 1905)

Nesta primeira definição, Freud coloca a pulsão como sendo o representante psíquico, e
não como tendo um representante. Sabe-se que esta conceituação vai mudar em 1920
quando Freud introduz a pulsão de morte, que seria uma pulsão sem representação.

Freud coloca a pulsão como um conceito fronteiriço, que não está nem no físico nem no
anímico. Ou seja, já nesta primeira definição, Freud diz que a pulsão não está dentro do
aparelho psíquico, e sim entre este e o somático, num limite entre os dois. Ela é apenas
uma exigência de trabalho feita à vida anímica. E o que é uma exigência de trabalho? É
uma exigência de representação, de simbolização.

1910 – Havia uma tentativa de colocar a pulsão sexual regida pelo Princípio de Prazer e
a pulsão do Eu regida pelo Princípio de Realidade. As duas classes de pulsão estariam,
portanto, em conflito, conforme Freud escreve em 1910:

“De muito especial importância para a nossa tentativa de explicação
é a inegável oposição que existe entre as pulsões que servem à
sexualidade, a obtenção do prazer sexual, e as outras que têm por
meta a autoconservação do indivíduo, as pulsões do ego; todas as
pulsões orgânicas que agem no nosso psiquismo podem ser
classificadas, segundo os termos do poeta, de „Fome‟ ou de „Amor‟.”

(Freud, 1910)

1914 – É em sua Introdução ao Narcisismo que Freud vai fazer esta distinção de uma
forma mais clara:

“Também vemos, em linhas gerais, uma antítese entre a libido do ego
e a libido objetal. Quanto mais uma é empregada, mais a outra se
esvazia.”

(Freud, 1914)

É neste texto sobre o narcisismo que Freud faz uma importante vinculação entre a
pulsão sexual e a pulsão do eu:

“Os instintos sexuais estão, de início, ligados à satisfação dos
instintos do ego; somente depois é que eles se tornam independentes
destes, e mesmo então encontramos uma indicação dessa vinculação
original no fato de que os primeiros objetos sexuais de uma criança são as pessoas que se preocupam com sua alimentação, cuidados e
proteção: isto é, no primeiro caso, sua mãe ou quem a substitua.”

(Freud, 1914)

Também é de fundamental importância a questão da constituição do eu, que é o tema
central deste texto. Sobre isso, Freud nos diz:

“… uma unidade comparável ao ego não pode existir no indivíduo
desde o começo; o ego tem de ser desenvolvido. Os instintos auto-
eróticos, contudo, ali se encontram desde o início, sendo, portanto,
necessário que algo seja adicionado ao auto-erotismo – uma nova
ação psíquica – a fim de provocar o narcisismo.”

(Freud, 1914)

A questão do auto-erotismo nos remete ao conceito de pulsão parcial, que vai se ligar a
alguma zona erógena determinada. A satisfação auto-erótica refere-se a uma satisfação
no próprio corpo, através do investimento das pulsões parciais, sem que estas formem
uma organização, ou seja, uma unidade, que seria o Eu.

Antes mesmo de nascer, o sujeito já está inserido no domínio da linguagem, ele já é
nomeado pelo desejo dos pais. É sobre isto que Freud escreve em sua Introdução ao
Narcisismo (1914):

“Se prestarmos atenção à atitude de pais afetuosos para com os
filhos, temos de reconhecer que ela é uma revivescência e reprodução
de seu próprio narcisismo, que de há muito abandonaram.”

(Freud, 1914)

Freud está tratando, neste trecho, da inserção do sujeito no simbólico, no campo da
linguagem. Esta inserção ocorre antes mesmo do nascimento da criança.

No texto do Narcisismo, Freud diz que o eu (ego) não existe desde o início, ele precisa
ser desenvolvido. As pulsões auto-eróticas (sexuais), ao contrário, existem desde o
início. Uma nova ação psíquica precisa ser acrescentada a estas para que ocorra o
narcisismo.

Que ação psíquica é esta?

O investimento em objetos sempre houve. E o primeiro objeto de investimento da
criança é a mãe ou quem a substitua. Este investimento fracassa devido a uma total
impossibilidade da existência de uma relação dual mãe-bebê. Esta relação é sempre
permeada por um terceiro, que é a linguagem. Nunca houve uma relação fora do
simbólico. Quando a criança é nomeada, ela já se diferencia em relação ao seu objeto.
O fracasso deste investimento vai fazer com que a libido investida no objeto retorne ao
eu. A constituição do eu vai ocorrer neste retorno da libido sexual. É a partir disto que
Freud diz, conforme citado anteriormente, que existe uma antítese entre a libido do eu e
a libido objetal. Quanto mais uma é empregada, mais a outra se esvazia. Esta perda,
esta espécie de ferida narcísica vai constituir o eu. O eu vai se constituir a partir da
perda do objeto impossível (Das ding). É a existência de uma falta que nos marca
enquanto sujeitos desejantes. O desejo só é possível quando alguma coisa falta.

Esta tentativa freudiana de manter o dualismo pulsional fica ameaçada em 1914 quando,
devido à críticas de Jung, é escrito o artigo sobre o narcisismo. Quando Freud introduz a
idéia de que o eu também pode ser investido pela pulsão sexual, seu dualismo pulsional
fica ameaçado. Ao dizer que a libido pode investir tanto o eu quanto os objetos, Freud
se aproxima da noção junguiana de uma libido originária e dessexulizada.

1915 – Em seu artigo Os Instintos e Suas Vicissitudes, Freud retoma o conceito de
pulsão, definindo-a como

“… o representante psíquico dos estímulos que se originam dentro do
organismo e alcançam a mente, como uma medida da exigência feita
à mente no sentido de trabalhar em conseqüência de sua ligação com
o corpo.”

(Freud, 1915)

A partir desta definição, Freud vai introduzir outros conceitos referentes à pulsão, sendo
esta sua pressão, sua finalidade, seu objeto e sua fonte.

Por pressão, Freud a define como o “… fator motor, a quantidade de força ou a medida
da exigência que ela representa.” (Freud, 1915)

Já a finalidade “… é sempre satisfação, que só pode ser obtida eliminando-se o estado
de estimulação na fonte do instinto.” (Freud, 1915)

Fonte é “… o processo somático que ocorre num órgão ou parte do corpo, e cujo
estímulo é representado na vida mental por um instinto.” (Freud, 1915).

Por fim, o objeto de uma pulsão “…é a coisa em relação à qual ou através da qual o
instinto é capaz de atingir sua finalidade. É o que há de mais variável num instinto e,
originalmente, não está ligado a ele, só lhe sendo destinado por ser peculiarmente
adequado a tornar possível a satisfação.” (Freud, 1915)

É no seu primeiro texto sobre as pulsões que Freud faz a distinção entre pulsão sexual e
pulsão do eu:

“Propus que se distingam dois grupos de tais instintos primordiais:
os instintos do ego, ou autopreservativos, e os instintos sexuais.”

(Freud, 1915).

Freud diz que é o conflito entre as exigências da sexualidade e as do eu que está na raiz
das neuroses de transferência (histeria e neurose obsessiva).

1916 – Freud define pulsão como:

“… um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático,
como o representante psíquico dos estímulos que se originam no
corpo – dentro do organismo e alcança a mente, como uma medida da
exigência feita à mente no sentido de trabalhar em conseqüência de
sua ligação com o corpo”

1920 – Freud provoca uma reviravolta em sua teoria pulsional, no texto Além do
Princípio de Prazer. Ele escreve este texto com a intenção de dar conta de alguns casos
clínicos que sua teoria pulsional não estava conseguindo explicar. É a partir dos
questionamentos sobre a compulsão à repetição que Freud vai escrever seu Além do
Princípio de Prazer. Freud inicia o texto afirmando:

“Na teoria da Psicanálise não hesitamos em supor que o curso
tomado pelos eventos mentais está automaticamente regulado pelo
princípio de prazer, ou seja, acreditamos que o curso desses eventos é
invariavelmente colocado em movimento por uma tensão
desagradável e que toma uma direção tal, que seu resultado final
coincide com uma redução dessa tensão, isto é, com uma evitação de
desprazer ou uma produção de prazer.”

(Freud, 1920)

Mais adiante, ele retifica este postulado:

“… é incorreto falar na dominância do princípio de prazer sobre o
curso dos processos mentais. Se tal dominância existisse, a imensa
maioria de nossos processos mentais teria de ser acompanhada pelo
prazer ou conduzir a ele, ao passo que a experiência geral contradiz
completamente uma conclusão desse tipo.”

(Freud, 1920)

A partir daí, Freud conclui:

“… existe realmente na mente uma compulsão à repetição que
sobrepuja o princípio de prazer.”

(Freud, 1920)

Após todas essas reflexões, Freud introduz a grande novidade deste texto:

“Parece, então, que um instinto é um impulso, inerente à vida
orgânica, a restaurar um estado anterior de coisas, impulso que a
entidade viva foi obrigada a abandonar sob pressão de forças
perturbadoras externas, ou seja, é uma espécie de elasticidade
orgânica, ou, para dizê-lo de outro modo, a expressão da inércia
inerente à vida orgânica.

“Essa visão dos instintos nos impressiona como estranha porque nos
acostumamos a ver neles um fator impelidor no sentido da mudança e
do desenvolvimento, ao passo que agora nos pedem para reconhecer
neles o exato oposto, isto é, uma expressão da natureza conservadora
da substância viva.”

(Freud, 1920)

Logo adiante, Freud fecha a questão:

“Estaria em contradição à natureza conservadora dos instintos que o
objetivo da vida fosse um estado de coisas que jamais houvesse sido
atingido. Pelo contrário, ele deve ser um estado de coisas antigo, um
estado inicial de que a entidade viva, numa ou noutra ocasião, se
afastou e ao qual se esforça por retornar através dos tortuosos
caminhos ao longo dos quais seu desenvolvimento conduz.
Se tomarmos como verdade que não conhece exceção o fato de tudo o
que vive, morrer por razões internas, tornar-se mais uma vez
inorgânico, seremos então compelidos a dizer que o objetivo de toda
vida é a morte, e, voltando o olhar para trás, que as coisas
inanimadas existiram antes das vivas.”

(Freud, 1920)

Por fim, Freud conclui:

“… fomos levados a distinguir duas espécies de instintos: aqueles que
procuram conduzir o que é vivo à morte, e os outros, os instintos
sexuais, que estão perpetuamente tentando e conseguindo uma
renovação da vida…”

(Freud, 1920)

Foi, portanto, em 1920, que Freud percebeu a impossibilidade de um Princípio de
Prazer para dar conta de todo o funcionamento psíquico. O Princípio de Prazer é
insuficiente por si mesmo.

A pulsão distingue-se do instinto, por este ser ligado a determinadas categorias de
comportamentos preestabelecidos e realizados de maneira estereotípica, enquanto
aquela se refere a uma fonte de energia psíquica não específica, que pode conduzir a
comportamentos diversos.

Freud, no princípio de sua teoria, distinguia várias pulsões distintas que, com o
aprimoramento da teoria, foram reduzidas a duas pulsões básicas:

  • 1) Eros, ou pulsão sexual, para a vida.
  • 2) Tânatos, ou pulsão agressiva, de morte.

A base para essas pulsões o princípio de atração e repulsão, também presente na
matéria. Todas as outras pulsões secundárias (desejos, sonhos, enfim, todos os
diferentes tipos de impulsos interiores que guiam a ação humana) são vistas como frutos
da combinação daquelas duas pulsões.

As pulsões são a origem da energia psíquica que se acumula no interior do ser humano,
gerando uma tensão que exige ser descarregada. O objetivo do indivíduo seria, assim,
atingir um baixo nível de tensão interna. Nesse processo de descarga de tensões
psíquicas, as três estruturas da mente (id, ego e superego) desempenham um papel
primordial, determinando a forma como essa descarga se manifestará. Todos esses
processos se desenvolvem inconscientemente.

A teoria de Freud deixou uma influência duradoura sobre a pesquisa da motivação,
sobretudo sob dois aspectos:

  • 1) o conceito de projeção, ou seja, de que desejos inconscientes são capazes de influenciar a percepção consciente.
  • 2) a ideia de que os objetivos perseguidos pelo comportamento humano não são necessariamente conscientes.

Freud fala sobre este investimento fracassado da criança numa passagem de Além do
Princípio de Prazer:

“O florescimento da vida sexual infantil está condenado à extinção
porque seus desejos são incompatíveis com a realidade e com a etapa
inadequada de desenvolvimento a que a criança chegou. Esse
florescimento chega ao fim nas mais aflitivas circunstâncias e com o
acompanhamento dos mais penosos sentimentos. A perda do amor e o
fracasso deixam atrás de si um dano permanente à autoconsideração,
sob a forma de uma cicatriz narcisista…”

(Freud, 1920)

Logo adiante, Freud completa:

“As explorações sexuais infantis, às quais seu desenvolvimento físico
impõe limites, não conduzem a nenhuma conclusão satisfatória; daí
as queixas posteriores, tais como „Não consigo realizar nada; não
tenho sucesso em nada‟. O laço da afeição, que via de regra liga a
criança ao genitor do sexo oposto, sucumbe ao desapontamento, a
uma vã expectativa de satisfação, ou ao ciúme pelo nascimento de um
novo bebê, prova inequívoca da infidelidade do objeto da afeição da
criança. Sua própria tentativa de fazer um bebê, efetuada com trágica
seriedade, fracassa vergonhosamente. A menor quantidade de afeição
que recebe, as exigências crescentes da educação, palavras duras e
um castigo ocasional mostram-lhe por fim toda a extensão do desdém
que lhe concederam. Estes são alguns exemplos típicos e
constantemente recorrentes das maneiras pelas quais o amor
característico da idade infantil é levado a um término.”

(Freud, 1920)

Foi para dar conta da compulsão à repetição e para tentar manter seu dualismo pulsional
que Freud escreve Além do Princípio de Prazer, em 1920.

Freud não consegue compreender como poderiam os pacientes repetir situações
desagradáveis sem que houvesse a menor possibilidade de algum prazer ser obtido a
partir disso. É como se existisse uma “necessidade de repetição”. Freud percebe a
existência de alguma coisa que estava para além do princípio de prazer.

O Princípio de Prazer, portanto, não dava conta de toda a vida psíquica. Alguma coisa
lhe escapava. Por que isso acontecia? Por impossibilidades internas do próprio
princípio.

O prazer absoluto e universal não pode acontecer simplesmente porque o sujeito se
constitui na clivagem, na divisão. Todos nós somos marcados por uma falta e é esta
falta que nos caracteriza enquanto sujeitos desejantes. Apenas pode desejar aquele que
algo lhe falta. Se não existisse a falta, não existiria o desejo.

A satisfação nunca é completa, portanto, a pulsão é sempre parcial. Ela sempre busca a
descarga, que nunca é completa, por isso, alguma coisa sempre retorna. A compulsão à
repetição fala desse retorno. Seria um “retorno ao inanimado” (Freud, 1920), como fala Freud? Ou seria, mais especificamente, um “retorno a um estado anterior de coisas? (Freud, 1920).

E que estado anterior de coisas seria este?

Talvez este seja o cerne da questão que sempre se impôs a Freud. Quando ele institui o
Princípio de Realidade, ele já sabia que um prazer absoluto era impossível. O
inconsciente é constituído por uma cadeia de significantes, que trazem a marca de uma
impossibilidade. O mito edípico e a fantasia da castração são criados para dar conta
dessa impossibilidade. A interdição do incesto vem de um terceiro que não é o pai, este
apenas o representa. A interdição provém do próprio simbólico, da própria linguagem,
que sempre permeou a relação mãe-bebê. O objeto impossível (Das ding) é perdido e a
repetição é a tentativa de encontrá-lo. Por isso, qualquer objeto satisfaz a pulsão. Porque
nenhum deles é o objeto.

A pulsão de vida fala dessa tentativa de ligação a objetos dentro do circuito pulsional,
dentro da cadeia de significantes. É uma tentativa de obter a satisfação que nunca é
completa e que faz com que o sujeito continue desejando. Já a pulsão de morte é a sua
contrapartida, a sua outra face. Ela está fora da cadeia de significantes, não é
representada. Seu pulsar é silencioso, por não ter como se representar. A pulsão de
morte seria a pulsão por excelência.

Na verdade, Freud não conseguiu conservar o dualismo que lhe era tão importante. Ele
sempre cai numa dualidade. A pulsão é sempre uma só: antes e depois de ser
representada pelo aparelho. A pulsão de morte é uma pulsão sem representação. Ela é
uma pura exigência. O retorno que ela propõe não é uma volta ao inanimado, mas um
recomeço. Ela se manifesta quando a cadeia de significantes do sujeito não deixa passar
o desejo. Como ela não possui uma representação, sua única forma de se manifestar é
fazendo o sujeito repetir as mesmas situações desagradáveis, até que aquele circuito seja
destruído. É isto que pretende a pulsão de morte: a destruição de uma cadeia de
significantes. Esses significantes podem se atrelar a qualquer significado. Quando
ocorre a fixação de um significante a um significado, a cadeia fica fixa, sem deixar que
o desejo circule. A pulsão de morte vai apontar essa fixação, vai atuar sobre ela, através
da repetição.

A pulsão de vida, ao contrário, tem um caráter conservador. Ela quer manter a cadeia de
significantes formada. Neste ponto, pode-se fazer uma articulação entre a pulsão de vida
e a pulsão do eu. É o Eu que tenta manter o que já está formado.

É aí que podemos ver a pulsão de morte por trás da pulsão de vida. A pulsão de vida
não abre espaço para a mudança, para a renovação. E tudo o que não muda morre. A
pulsão de morte, por sua vez, possui um aspecto positivo, um aspecto criador. Ela traz a
exigência de destruição de algo que não mais funciona, não mais propicia prazer. O
problema é que, como ela não possui representação, ela destrói um discurso sem propor
nada para substituí-lo. É preciso arriscar e pagar para ver, porque ela não oferece
garantias. Quando alguma coisa é representada, deixa de ser pulsão de morte e passa a
ser pulsão de vida.

A pulsão de vida representaria, portanto, algo que já está ligado a um objeto, já possui
uma representação, um traço no aparelho. Seria, então, sexualizada.

Já a pulsão de morte seria apenas uma exigência, sem uma representação. Esta definição
está bem de acordo com a primeira definição que Freud dá de pulsão em 1905 e já
citada anteriormente: A pulsão em si mesma não possui qualidade alguma, devendo
apenas ser considerada como uma medida da exigência de trabalho feita à vida anímica.
É por isso que podemos dizer que a pulsão de morte é a pulsão por excelência.

Referência Bibliográfica

Revista de Psicoanálisis y Cultura. Número 9 – Julio 1999

www.acheronta.org

.FREUD, SIGMUND (1895) Projeto Para uma Psicologia Científica. 2a Edição (1988).
Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Volume I.
Rio de Janeiro, Editora Imago.

.FREUD, SIGMUND (1900) A Interpretação dos Sonhos, parte II. 2a Edição (1988).
Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Volume
V. Rio de Janeiro, Editora Imago.

FREUD, SIGMUND (1905) Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. 1a Edição
(1996).Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira.
Volume VII. Rio de Janeiro, Editora Imago.

.FREUD, SIGMUND (1910) A Concepção Psicanalítica da Perturbação Psicogênica da
Visão. 1a edição (1970). Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: edição
standard brasileira. Volume XI. Rio de Janeiro, Editora Imago.

.FREUD, SIGMUND (1914) Sobre o Narcisismo: uma Introdução. 3a Edição (1988).
Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Volume
XIV. Rio de Janeiro, Editora Imago.

.FREUD, SIGMUND (1915) Os Instintos e suas Vicissitudes. 3a Edição (1988). Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Volume XIV.
Rio de Janeiro, Editora Imago.

.FREUD, SIGMUND (1920) Além do Princípio de Prazer. Obras Psicológicas
Completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira

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