MAL-ESTAR E SINTOMA NA CONTEMPORANEIDADE

MAL-ESTAR E SINTOMA NA CONTEMPORANEIDADE

THAÍS SAMPAIO DE AZEVEDO COSTA / RIO DE JANEIRO 2021

Orientador: Professor Márcio Garrit 

RESUMO

Em 1929, Freud escreveu o livro “O mal-estar na civilização“ que propôs uma importante reflexão  sobre as dificuldades enfrentadas pelo homem ao buscar uma suposta felicidade, gerando o mal-estar.  A preocupação básica deste estudo é refletir sobre o mal-estar e os sintomas que acometem os indivíduos, tendo como objetivo analisar a importância da busca do sujeito em se entender com seu  eu na cultura. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica considerando as contribuições de SIGMUND  FREUD (1930), BYUNG-CHUL HAN (2010-2012) e MÁRCIO GARRIT (2020) onde se observou o  mal-estar e sintomas através do tempo e seus impactos na sociedade. À medida que a humanidade  avança, nos tornamos mais livres em determinados aspectos, enquanto nos aprisionamos em outros,  visto da perspectiva patológica. Por isso, as psicopatologias vêm e vão, mas elas sempre dizem algo  sobre o período histórico em que foram produzidas. Das primeiras pesquisas de Freud no século XIX,  aos males do século XXI, concluímos que estes sintomas trazem consigo revelações sobre os  conflitos que atravessam o sujeito naquele momento. Iniciaremos então nossa pesquisa a partir do  próprio Freud e seu trabalho datado de 1930, acrescentando citações de pensadores  contemporâneos; para assim apontar alguns caminhos importantes da clínica psicanalítica perante  este mal-estar.

Não é de hoje que buscamos compreender o advento do mal-estar na  civilização e seus sintomas, pois a Psicanálise foi fundada por Freud em 1900,  justamente buscando este entendimento. Os seres humanos são seres sem um  lugar natural, nascemos sem um propósito, portanto com uma falta. Somos viventes  em transitoriedade, enquanto tentamos compreender nossos desejos e o pacto com  nosso passado, presente e futuro.

O fato é que a própria civilização sempre causou um mal-estar, numa breve  investigação sobre as origens da infelicidade e os conflitos do indivíduo na  sociedade, percebemos que a vida humana se resume numa busca incessante por  prazer, evitando o desprazer. O homem cria ilusões de formas melhores de se viver,  e por não conseguir atingir este ideal o resultado é o sofrimento, que acaba se tornando uma fonte permanente de mal-estar. 

Todo conflito se inicia nas desconformidades do Eu, como cita Freud:

Nada nos é mais seguro do que o sentimento de nós mesmos, de nosso  
Eu. Este Eu nos aparece como autônomo, unitário, bem demarcado de tudo  
o mais. Que esta aparência é enganosa, que o Eu na verdade se prolonga  
para dentro, sem fronteira nítida, numa entidade psíquica inconsciente a  
que denominamos Id[…]

(FREUD, 1930, p.9)

Com grande frequência, as delimitações do Eu não se alinham perante o  mundo externo, visto que nossa vida é constantemente avaliada, levando o sujeito a  sofrer constantes pressões: no trabalho, na escola, nas relações, assim, nossos  pensamentos são acometidos por angústia, que se tornará o ponto de partida de  uma série de sintomas. 

 Os sintomas são a quebra da harmonia na vida orgânica e psíquica das  pessoas, é uma ideia que persiste em retornar buscando uma expressão e exigindo  um reconhecimento. Para Lacan (1957) o sintoma é a substituição, metáfora. Dunker  (2016) exemplifica que, se a vida segue como um rio, o sintoma é um ponto, como  uma ilha, onde a gente para e não consegue avançar. O grande elo que une todos  os sintomas é o sofrimento ao qual o sujeito está condicionado a viver. 

 Freud (1930) expõe o questionamento que “se a evolução cultural tem  tamanha similitude com a do indivíduo e trabalha com os mesmos recursos, não  seria justificado o diagnóstico de que muitas culturas – ou épocas culturais, ou  possivelmente toda a humanidade – tornaram-se ‘neuróticas’ por influência dos esforços culturais?” A cultura vai influenciar diretamente nas emoções dos  indivíduos, por isso cada época possui determinadas patologias em evidência.  Quando Freud iniciou seus estudos, no século XIX, em Viena, a histeria  acometia um grande número de pessoas, em sua maioria mulheres, que possuíam  sintomas físicos como paralisia, cegueira, entre outros, mais tarde foi descoberto  que esses sintomas nada tinham de fisiológicos mas sim, eram de natureza  psíquica. Naquele momento, Viena passava por severa repressão sexual, levando a  crer que o que era reprimido na fala e no corpo, se apresentava na forma de fortes  impactos psicológicos e adoecimento psíquico dos indivíduos.

 O século XXI trouxe consigo não só a globalização, o avanço tecnológico e a  era da informação em grande velocidade, mas também um agravamento do mal estar na civilização. 

 Sobre a sociedade contemporânea, Byung- Chul Han diz:

A sociedade disciplinar de Foucault, feita de hospitais, asilos,  presídios, quarteis e fábricas, não é mais a sociedade de hoje.  
Em seu lugar, há muito tempo, entrou uma outra sociedade, a  
saber, uma sociedade de academias de fitness, prédios de  escritórios, bancos, aeroportos, shopping centers e laboratórios  de genética. A sociedade do século XXI não é mais a  
sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho.[…]  A analítica do poder de Foucault não pode descrever as  modificações psíquicas e topológicas que se realizaram com a  
mudança da sociedade disciplinar para a sociedade de  
desempenho.

(BYUNG-CHUL HAN, 2017, p.23)

Essa “sociedade de desempenho” descrita por Byung- Chul Han, é marcada  por muitos excessos de estímulos, desejos e conhecimento. Com isso, se instalaram  nos indivíduos os malefícios psíquicos característicos desta era: depressão,  ansiedade, compulsões, transtornos, atenção fragmentada, produzindo rupturas e  isolamentos na psicopatologia, na cultura e nas formas de viver. Observando as  pessoas ao redor, percebemos como tantas destas aparentam estar cansadas,  sobre isso Byung- Chul Han (2017) afirma que “o cansaço da sociedade do  desempenho é um cansaço solitário, que atua individualizando e isolando.” Desta  forma, ele conclui que:

É um […] “cansaço dividido em dois”: “ambos afastaram-se  
inexoravelmente distantes um do outro, cada um em seu  
cansaço extremado, não nosso, mas o meu aqui e o teu lá.” 
Esse cansaço dividido em dois atinge a pessoa “com 
incapacidade de ver e mudez.”[…] Eles são violência porque  
destroem qualquer comunidade, qualquer elemento comum,  qualquer proximidade, sim, inclusive a própria linguagem.

Se a Psicanálise é baseada na “cura pela fala”, essa ausência do discurso  do sujeito, proveniente desta individualidade presente na sociedade atual, nos diz  muito sobre a ampla variedade de sofrimentos psíquicos que assolam a  humanidade.

Perguntado sobre o porquê é tão difícil para os homens serem felizes, Freud  resume o sofrimento humano em três fontes, “a prepotência da natureza; a  fragilidade do nosso corpo e a insuficiência das normas que regulam os vínculos  humanos na família, no Estado e na sociedade.” (FREUD,1930, p.30) Refletindo  sobre essa premissa, podemos dizer que essas questões sempre trarão desconforto  para a humanidade, pois o homem jamais conseguirá controlar a natureza em sua  totalidade, e por fazer parte dela, sofrerá as consequências de todas as ações  desenvolvidas ao longo de sua existência. Sobre a insuficiência das normas que  regem o laço social, podemos dizer que devido à diversidade e complexidade dos  seres humanos, elas jamais serão suficientemente boas. 

 O papel do psicanalista é fazer com que o sujeito deixe de sofrer  excessivamente com seus sintomas, não disponibilizando a cura, mas dando as  ferramentas necessárias para o indivíduo se entender com sua própria subjetividade.  De acordo com Garrit:

[…] As cenas incutidas no imaginário popular do paciente  
descobrindo um momento traumático e ficando totalmente  curado ao levantar do divã, ainda persiste na  contemporaneidade e muitos pacientes procuram psicanalistas  
acreditando que terão esse momento de glória ao lembrar e  falar desse possível trauma. […] Caberá ao analista possibilitar  um cenário em que o analisando deverá se implicar com seus  
sintomas e a partir disso produzir um saber que o liberte. Esse  gozo, pertencente ao sintoma, é substituído pela verdade “não 
toda”, pois a verdade total não pode ser dita porque provém do  Real. Isso situa a psicanálise na contramão da promessa da  
felicidade, da ausência da falta. Caberá ao sujeito  contemporâneo o “gozo-a-mais”.

(GARRIT,2020)

O trabalho do analista se concentra na fortificação do Eu, para que o indivíduo  encontre seu lugar no mundo. “Fortificar o Eu, torná-lo mais independente do Supereu, aumentando seu campo de percepção e estendendo sua organização, de  maneira que ele possa se apropriar de novos pedaços do Id. Ali onde era o Id, o Eu  deve advir”. (FREUD, 1933) 

Diante do exposto, concluiu-se que o mal-estar é um problema permanente,  que sempre acompanhará a humanidade, no entanto, tendo em vista que o mundo  se torna um lugar cada vez mais hostil, cabe a cada pessoa a escolha de como  lidará com os sintomas e sofrimentos proveniente disto.  

A complexidade cada vez maior da civilização exige proporcionalmente mais do analista, que enquanto agente de escuta e acolhimento das dores do analisando,  torna-se o responsável por tentar amenizar suas angústias e trabalha para que o sujeito se entenda com suas singularidades. Por isso, é necessário o constante  debate no meio da Psicanálise Clínica, para que possamos construir as respostas  que diminuam os significantes de cada mal estar.

Referência Bibliográfica

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Penguin e Companhia das  Letras, 2011. 

HAN, Byung Chul. Sociedade do Cansaço. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017. 

PEREIRA, Marcio Garrit. O contemporâneo na psicanálise: Um mal-estar  incontornável.

Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05,  Ed. 05, Vol. 10, pp. 34-45. Maio de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/contemporaneo-na psicanalise 
DUNKER, Christian. Mal-estar, sofrimento e sintoma – canal: Café Filosófico, CPFL. 

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GV-75hpCdJY&t=1951s Acesso em 08 de jan. de 2021. 

DUNKER, Christian. Mal-estar, sofrimento e sintoma – canal: Casa do Saber.  Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lnMkMG5uif8 Acesso em 08 de  jan. de 2021.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima