Lemos, Andréa (RJ/2021)
RESUMO:
A partir da formação da sociedade Sigmund Freud defende a ideia de que a cultura tem grande relevância na vida do sujeito. Afirma que tenhamos três causas que impedem a nossa plena felicidade, como a natureza com suas intempéries, a segunda nossos corpos com todas as fraquezas e as relações sociais com o mal-estar. Essas regras, que partem de um mito do autor, faz com que nos esforcemos para conviver nesta e com sentimento de culpa. Ainda que a sociedade tenha sido criada para nos compor, temos no sujeito as satisfações que são da ordem do psiquismo e que independem de fatores externos. A psicanálise faz uma relação entre o que foi construído e a nossa constituição interna. E neste trabalho a ideia é apresentar uma contextualização das sensações pulsionais, do Supereu e da busca da felicidade pelo sujeito.
PALAVRAS CHAVE: Culpa; felicidade, objeto, pulsão, sujeito.
Introdução
Dentro do processo de busca e estudos no Instituto Brasileiro de Psicanálise –
IBRAPCHS, vários temas foram provocando meus desejos e interesses. Confesso que no
momento que precisei definir sobre o que escrever e apresentar, mais uma vez fui
surpreendida e dentre elas, encontrei minha atenção de maior inclinação: o mal-estar
social. Neste percurso, ressalto que as aulas de Antropologia, Filosofia e Humanidades me
tocaram ainda mais. Por meio dos estudos da psicanálise e do processo de análise pessoal,
de acordo com a minha estrutura, trago sucintamente algumas observações.
Como fundamentação foram iniciadas as pesquisas dos textos freudianos: O Mal-
estar na Cultura, Totem e Tabu e as Pulsões e seus destinos. Nestes, houve a busca na
compreensão da contextualização histórica de como os seres humanos se organizaram
enquanto sociedade, ampliação do mecanismo anímico e o impacto que traz ao sujeito de
acordo ao que a felicidade representa para ele a partir destes.
Considerando a nossa contemporaneidade, buscado também referenciais mais
atuais como a Reinvenção da intimidade: Políticas do sofrimento cotidiano, que trazem
dentre outras, o estado de felicidade como as representações sociais interferem no bem-
estar do sujeito. Desta forma, foi possível traçar uma explanação do sofrimento e como age
uma parte do nosso aparelho psíquico. Nesse sentido, conceitos como Superego e as
pulsões, traduzem esse sentimento de inquietude, de culpa.
Diante das pesquisas, visto que o Mal-estar na cultura foi escrito em um momento
em que a psicologia social estava em alta. O autor chama a atenção da relação do sujeito o
com o texto Totem e Tabu na formação da civilização. Ficando ainda mais clara a questão
da culpa neste sujeito. A busca por algo, mas que de alguma forma ficaria reprimido a
partir desse laço social.
A relevância deste trabalho implica nestes conhecimentos entre sociedade,
sentimento de prazer, felicidade e culpa.
Sobre a sociedade
Em função das nossas fragilidades naturais, busca de proteção, limitações que
temos em nossos corpos, e da própria natureza externa, a solução de convivermos em
grupo seria o ideal de sobrevivência. Depois com a reorganização familiar, com o domínio
das organizações maiores houve a reorganização desses “clãs”. Pensando em vivermos
com mais segurança e conforto. Dessa maneira podemos nos proteger e consequentemente
com essa união esbarramos em conflitos por limites que nos serão impostos primeiro pelo
Estado e consequentemente pelo outro.
Assim, a vida em comunidade, antes primitiva, nos trouxe a segurança e novos
anseios. Mas estas exigências que se instauraram e então temos a limitação da
agressividade e a repressão dos desejos. Esse preço é um sacrifício vital que nos é imposto.
Para estarmos em grupo, precisaremos estar atentos dos artifícios que são trazidos pelos
que são diferentes. Toda organização está voltada para estruturação dessas convivências.
No texto Mal-estar na Cultura, Freud afirma que o outro ganhara um status de
“inimigo” fez-se uma relação entre os preceitos da religião uma das primeiras geradoras de
culpa na sociedade. A partir do pai que percebe o filho como pecador. Ao mesmo tempo
que “ganhamos” a vida social,
trocamos a agressividade exacerbada pela guerra.
A partir dos atendimentos, estudos, e trocas com amigos, Freud observou e relacionou contextos históricos e referências com a natureza. Utilizou-se da religião para exemplificar um dos status ilusórios quando se trata de sentimentos, trazendo, como de costume, as manifestações o Eu externo e interno, concomitantemente se colocando como um mero expectador, com possível descrédito em suas palavras […]autorizo-me a contestar a sua presença efetiva em outros.(Freud, 1930 p.307)
Desta maneira buscou trazer o sentimento “oceânico” que fora trazido por seu amigo, Romain Rolland através do seu próprio prisma, da visão psicanalítica. Diante da busca do sujeito a um objeto, essa sensação poderia ser sinonimamente ratificada com a satisfação. O sentimento de completitude com o mundo exterior.
As considerações trazem a todo momento os nossos direitos de liberdade, que perdemos o fazer da forma que quisermos, no momento e como desejamos. Freud inicia com a religião, e muito interessante […]a religião como ilusão, ele respondeu que estava inteiramente de acordo com o meu julgamento sobre a religião, mas que lamentava que eu não tivesse considerado a verdadeira fonte da religiosidade. (Freud, 1930, p.305).
Freud fixa sua linha em tratar a crença religiosa não pelo sentimento. Mas pela formação do Eu com o mundo exterior. Devidamente dito sobre o seio materno, essa falta que nos foi retirada deveria seguir o fluxo das nossas sensações pelo corpo. Essa falta estaria ligada diretamente ao sentimento oceânico preenchido com o “desemparo infantil”. E esta seria considerada a primeira falta do sujeito.
Freud traz de maneira antropológica como é apresentado o estabelecimento da sociedade, no qual há um estudo que em cada época o sexo seria trazido de alguma forma restritiva e o mito do pai da horda. Essa recriminação fixada estrategicamente, dita com o totem, tabu, o sagrado, aquilo que não pode diante da definição da própria sociedade.
No primeiro modo, o pai da horta dita essa moralidade através das suas exigências para formar a sociedade. Esse texto explica de forma mítica como cada representação nos identifica a partir do pai e morte do pai da horda:
Pulsões e Superego
Quanto ao conceito Freud em Pulsões e seus Destinos discorre primeiramente sobre descrição sobre da pulsão e a diferença entre impulso e pulsão. Das relações externas que seriam os estímulos que podem ser “rastreáveis” e que de certa maneira sofrem ações de mobilização de movimentos e até mesmo de fuga. Enquanto as pulsões latentes a todo tempo no sujeito, não são possíveis de serem eliminadas. Ou seja, não diz respeito da ordem da escolha, mas do seu Eu interior em constante movimentação.
O autor a partir destas relações diferencia os estímulos pulsionais dos estímulos fisiológico anímico. Nas questões externas os estímulos podem ser suprimidos, superados, quanto os pulsionais representam a partir do organismo e não estão propensos a serem extirpados. Importante trazer que o objeto da pulsão para o sujeito é algo para realização da sua satisfação. O sujeito sempre volta atenção para repetir a experiência que foi prazerosa.
As relações sociais com as pulsões diretamente podemos citar o quanto a repressão dos nossos desejos sexuais, sai caro para a existência do sujeito. E sobre os destinos que a pulsões podem ser direcionadas a partir da visão de Freud são: a reversão do seu contrário, o retorno em direção à própria pessoa, o recalque e a sublimação. Fazendo a relação com o pai, a cultura traz o mesmo sentimento em relação a massa, a culpa.O conceito pulsional, que é algo que não cessa, relacionado com o conceito do Superego que vem a ser o juiz do próprio sujeito, gera o conflito no sujeito. Se este gozasse de todas as suas maneiras consequentemente receberia o seu castigo na sequência. Algumas observações do autor:
Freud faz um apontamento interessante que o ser humano já possui dentro si esse senso de criticidade com ele mesmo, mostrando o Superego. Essa consciência da vida, nos causa um transtorno, diferente dos animais que não tratam as suas vidas com essa necessidade proposital. Dessa forma, esse bloqueio da agressividade nos surge uma instância do Superego versus o Ego. Sendo assim, estabelecemos um conflito, gerando a culpa. No tocante a esses conflitos, e relacionando aos preceitos religiosos, temos a luta do bem contra o mal. O mal-estar vem justamente dessa angústia entre o controle dos atos e a moral estabelecida.
Essa questão do que é internalizado, o quanto essa agressividade que iria para o externo fica intrínseca e que as pessoas que são dóceis na verdade estão recalcadas e que de alguma forma, isso aparece na estrutura do sujeito. A consciência desse estado é algo impressionante, reconhecer o quanto somos racionais, interessantes te ão incessantes…pois é, trazendo a questão do gozo, da satisfação e da felicidade. Porque o Eu precisa gozar mas o externo nos impede, uma consciência moral.
A obediência a que somos submetidos através do Supereu é exposto como possível por este. Como se o sujeito conseguisse submeter suas pulsões e aceitasse esse cumprimento animicamente. E a Ética é um bom argumento para que este sujeito não siga suas pulsões, Freud cita o mandamento “ama teu próximo como a ti mesmo” e nesta reflexão pode-se pensar que este é um, senão a maior expressão que faz remeter ao julgarmos que a falta de amor pelo próximo seria algo muito fora dos preceitos estabelecidos na sociedade ou na religião.
Felicidade e suas implicações
Como o sentimento de prazer e felicidade na instância do individual diverge com a social e neste se apresenta uma construção de certa forma narcísica. Uma preocupação muito grande hoje vista é o que o sujeito se questiona se está feliz ou não. Essa submissão traz o aprisionamento pulsional de alguma maneira é o que aparece no seu oposto, a infelicidade, o sofrimento e a culpa.
De acordo com Dunker, a felicidade é um fator político:
Retomando a questão da ética trazida pelo Supereu, o sujeito está a todo tempo racionalizando sua felicidade e assim fazendo relações com o Outro. Nesse sentido colocar a sua felicidade nesta régua temos uma tendência à procura de algo para estar no modelo de felicidade alheio. O que em linhas gerais só seria viável se realmente estivermos dispostos a aceitar que nem todo tempo estaremos felizes, mas buscando a partir da sua própria libido.
Quanto ao sentimento de solidão trazidos nos textos de Dunker, as trocas sociais de acordo com o olhar do outro interfere no prazer de estar no mundo. Esse exemplo contemporâneo deixa a mostra o quanto nos dias de hoje os sujeitos ficam muitas vezes eufóricos em demonstrar o quanto estão felizes para os outros. O que muitas vezes na sua essência não está neste estágio de sentimento. Ou o seu inverso a diferenciação entre solidão e solitude.
O autor em alguns textos elucida questões do sofrimento através do outro, interessante sobre a “Síndrome Pós-Natalina”, que trazem sintomas relativos a este momento sazonal da cultura. Que apesar do sujeito nem acreditar nesta data ele não entra no embate mas busca realizar todos os ritos já que está inserido na sociedade.
Evidente, que o texto não se resume a estas palavras mas mostra com tamanha evidência o quanto diante do outro a gente reage a algumas situações por conta da massa, do estar em conformidade com o que a sociedade traz. Ainda que conscientemente saiba que esse “fazer” não tenha nenhum sentido e que a sua vida seguirá miserável, um dito de Freud em Mal-estar na cultura.
No entanto é importante ressaltar o quanto somos domesticados com a ideia que nos foi introjetada no sentimento de culpa. Colocamos nos nossos desejos já a possibilidade de autopunição, a partir do nosso mecanismo interno e do olhar do outro.
Considerações finais
Ainda que os textos não sintetizem o conceito de felicidade, as relações encontradas neste, mostram que a cultura apesar de vir da disposição da formação da sociedade ela traz a insatisfação e a culpa. As adaptações necessárias para condição da convivência humana que por si já se torna inviável. Ou seja, a busca pela felicidade será eterna, não cessará. Diante da castração que temos que suportar, o nosso Eu esbarra em uma barreira e a cultura nos dá uma série de impossibilidades para que não se contenha em estado pleno, seja por bloqueios implícitos ou explícitos das pulsões, gerando o mal-estar.
Enquanto estudante de psicanálise, ainda que nos primeiros passos…neste momento estas considerações foram possíveis para elucidar tanto a função da sociedade quanto a constituição do sujeito a partir dela.
A alienação de que a busca desse prazer pleno, e caso o sujeito não se dê conta dessa mítica, estará ainda mais insatisfeito, infeliz e suas pulsões estarão mais suscetíveis a desencadear uma fixação em objetos destrutíveis a si mesmo. A análise se estabelece com o tratamento do sintoma para que este se perceba, reconheça o que te atravessa e consiga lidar com o mal-estar seja com o Eu interno ou externo, mudando o seu sofrimento. Já que a felicidade é inalcançável.
Como Pedagoga, em constante formação, me encontrei por aqui também, já que a psicanálise se apresenta com toda magnitude de saberes e compreensões constantes. E o que restou desse primeiro percurso? Desejo de continuar estudando, conhecendo, vivenciando e ressignificando a partir dessas brilhantes considerações que os autores e professores trazem neste processo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Dunker, Christian.1966. Reinvenção da intimidade -políticas de sofrimento cotidiano. São Paulo. Ubu Editora 2017 p.19-238
FREUD, Sigmund.1913. Totem e tabu. In S. Freud. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol.13, pp.11-191). Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1913). <Disponível em: https://conexoesclinicas.com.br/wp-content/uploads/2015/01/freud-sigmund-obras-completas-imago-vol-13-1913-1914.pdf> Acesso em 15 de Dez. 2020.
FREUD, Sigmund 1915. As pulsões e seus destinos. Obras Incompletas de Sigmund Freud . Belo Horizonte: Autêntica 2019.
FREUD, Sigmund 1930. Cultura, Sociedade, Religião Obras Incompletas de Sigmund Freud O Mal-estar na Cultura e outros escritos Tradução de Maria Rita Salzano Moraes. Belo Horizonte: Autêntica. 2020 p.305-410
Garcia-Roza, Luiz Alfredo, 1936- Freud e o inconsciente / Luiz Alfredo Garcia-Roza. – 24.ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.