AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E A FELICIDADE

Lemos, Andréa (RJ/2021)

[…] o anseio por felicidade, que costumamos chamar de “egoísta”, e o anseio pela união como os outros na
comunidade, que chamamos de “altruísta”. As duas designações não vão muito além da superfície.

(FREUD, 1930, p.398.)

RESUMO:
A partir da formação da sociedade Sigmund Freud defende a ideia de que a cultura tem grande relevância na vida do sujeito. Afirma que tenhamos três causas que impedem a nossa plena felicidade, como a natureza com suas intempéries, a segunda nossos corpos com todas as fraquezas e as relações sociais com o mal-estar. Essas regras, que partem de um mito do autor, faz com que nos esforcemos para conviver nesta e com sentimento de culpa. Ainda que a sociedade tenha sido criada para nos compor, temos no sujeito as satisfações que são da ordem do psiquismo e que independem de fatores externos. A psicanálise faz uma relação entre o que foi construído e a nossa constituição interna. E neste trabalho a ideia é apresentar uma contextualização das sensações pulsionais, do Supereu e da busca da felicidade pelo sujeito.

PALAVRAS CHAVE: Culpa; felicidade, objeto, pulsão, sujeito.

Introdução

Dentro do processo de busca e estudos no Instituto Brasileiro de Psicanálise –
IBRAPCHS, vários temas foram provocando meus desejos e interesses. Confesso que no
momento que precisei definir sobre o que escrever e apresentar, mais uma vez fui
surpreendida e dentre elas, encontrei minha atenção de maior inclinação: o mal-estar
social. Neste percurso, ressalto que as aulas de Antropologia, Filosofia e Humanidades me
tocaram ainda mais. Por meio dos estudos da psicanálise e do processo de análise pessoal,
de acordo com a minha estrutura, trago sucintamente algumas observações.
Como fundamentação foram iniciadas as pesquisas dos textos freudianos: O Mal-
estar na Cultura, Totem e Tabu e as Pulsões e seus destinos. Nestes, houve a busca na
compreensão da contextualização histórica de como os seres humanos se organizaram
enquanto sociedade, ampliação do mecanismo anímico e o impacto que traz ao sujeito de
acordo ao que a felicidade representa para ele a partir destes.
Considerando a nossa contemporaneidade, buscado também referenciais mais
atuais como a Reinvenção da intimidade: Políticas do sofrimento cotidiano, que trazem
dentre outras, o estado de felicidade como as representações sociais interferem no bem-
estar do sujeito. Desta forma, foi possível traçar uma explanação do sofrimento e como age
uma parte do nosso aparelho psíquico. Nesse sentido, conceitos como Superego e as
pulsões, traduzem esse sentimento de inquietude, de culpa.
Diante das pesquisas, visto que o Mal-estar na cultura foi escrito em um momento
em que a psicologia social estava em alta. O autor chama a atenção da relação do sujeito o
com o texto Totem e Tabu na formação da civilização. Ficando ainda mais clara a questão
da culpa neste sujeito. A busca por algo, mas que de alguma forma ficaria reprimido a
partir desse laço social.
A relevância deste trabalho implica nestes conhecimentos entre sociedade,
sentimento de prazer, felicidade e culpa.

Sobre a sociedade

Em função das nossas fragilidades naturais, busca de proteção, limitações que
temos em nossos corpos, e da própria natureza externa, a solução de convivermos em
grupo seria o ideal de sobrevivência. Depois com a reorganização familiar, com o domínio
das organizações maiores houve a reorganização desses “clãs”. Pensando em vivermos
com mais segurança e conforto. Dessa maneira podemos nos proteger e consequentemente
com essa união esbarramos em conflitos por limites que nos serão impostos primeiro pelo
Estado e consequentemente pelo outro.
Assim, a vida em comunidade, antes primitiva, nos trouxe a segurança e novos
anseios. Mas estas exigências que se instauraram e então temos a limitação da
agressividade e a repressão dos desejos. Esse preço é um sacrifício vital que nos é imposto.
Para estarmos em grupo, precisaremos estar atentos dos artifícios que são trazidos pelos
que são diferentes. Toda organização está voltada para estruturação dessas convivências.

“A psicanálise estabeleceu uma estreita conexão entre essas realizações psíquicas
de indivíduos, por um lado, e de sociedades, por outro, postulando uma mesma e
única fonte dinâmica para ambas. Ela parte da idéia básica de que a principal
função do mecanismo mental é aliviar o indivíduo das tensões nele criadas por
suas necessidades. Uma parte desta tarefa pode ser realizada extraindo-se
satisfação do mundo externo e, para esse fim, é essencial possuir controle sobre o
mundo real. Mas a satisfação de outra parte dessas necessidades – entre elas,
certos impulsos afetivos – é regularmente frustrada pela realidade. Isto conduz a
uma nova tarefa de encontrar algum outro meio de manejar os impulsos
insatisfeitos.

(Freud, 1915 p.130)

No texto Mal-estar na Cultura, Freud afirma que o outro ganhara um status de
“inimigo” fez-se uma relação entre os preceitos da religião uma das primeiras geradoras de
culpa na sociedade. A partir do pai que percebe o filho como pecador. Ao mesmo tempo
que “ganhamos” a vida social,
trocamos a agressividade exacerbada pela guerra.

“A vida, tal como nos é imposta, é muito difícil para nós, traz-nos muitas dores,
desilusões, tarefas insolúveis. Para suportá-la, não podemos prescindir de
medidas paliativas. (“As coisas não funcionam sem construções auxiliares”,
disse-nos Theodor Fontane). Essas medidas talvez sejam de três tipos: distrações
poderosas, que nos permitem menosprezar a nossa miséria, satisfações
substitutivas, que a amenizam, e substâncias entorpecentes, que nos tornam
insensíveis a ela.

(Freud, 1930 p. 319)

A partir dos atendimentos, estudos, e trocas com amigos, Freud observou e relacionou contextos históricos e referências com a natureza. Utilizou-se da religião para exemplificar um dos status ilusórios quando se trata de sentimentos, trazendo, como de costume, as manifestações o Eu externo e interno, concomitantemente se colocando como um mero expectador, com possível descrédito em suas palavras […]autorizo-me a contestar a sua presença efetiva em outros.(Freud, 1930 p.307)

Desta maneira buscou trazer o sentimento “oceânico” que fora trazido por seu amigo, Romain Rolland através do seu próprio prisma, da visão psicanalítica. Diante da busca do sujeito a um objeto, essa sensação poderia ser sinonimamente ratificada com a satisfação. O sentimento de completitude com o mundo exterior.

Se nos for permitido supor que esse sentimento primário do Eu, – em maior ou menor medida – conservou-se na vida anímica de muitos seres humanos então ele se colocaria, como uma espécie de contraparte, ao lado do sentimento de Eu da maturidade, mais restrita e claramente delimitado, e os conteúdos representacionais adequados a ele seriam justamente aqueles de um caráter ilimitado e de uma ligação com o todo, os mesmos com os quais o meu amigo explicou no sentimento oceânico.

(Freud, 1930, p.310)

As considerações trazem a todo momento os nossos direitos de liberdade, que perdemos o fazer da forma que quisermos, no momento e como desejamos. Freud inicia com a religião, e muito interessante […]a religião como ilusão, ele respondeu que estava inteiramente de acordo com o meu julgamento sobre a religião, mas que lamentava que eu não tivesse considerado a verdadeira fonte da religiosidade.  (Freud, 1930, p.305).

Freud fixa sua linha em tratar a crença religiosa não pelo sentimento. Mas pela formação do Eu com o mundo exterior. Devidamente dito sobre o seio materno, essa falta que nos foi retirada deveria seguir o fluxo das nossas sensações pelo corpo. Essa falta estaria ligada diretamente ao sentimento oceânico preenchido com o “desemparo infantil”. E esta seria considerada a primeira falta do sujeito.

Para as necessidades religiosas, a derivação a partir do desamparo infantil e do anseio que este desperta pelo pai não me parece ser irrefutável, tanto mais que esse sentimento não constitui um simples prolongamento da vida infantil, mas é continuamente conservado pelo medo do poder superior do destino. Eu não saberia indicar uma necessidade tão intensa proveniente da infância quanto a proteção paterna.

(Freud, 1930, p.316)

Freud traz de maneira antropológica como é apresentado o estabelecimento da sociedade, no qual há um estudo que em cada época o sexo seria trazido de alguma forma restritiva e o mito do pai da horda. Essa recriminação fixada estrategicamente, dita com o totem, tabu, o sagrado, aquilo que não pode diante da definição da própria sociedade.

Os objetivos do tabu são numerosos: (i) os tabus diretos visam (a) à proteção de pessoas importantes – chefes, sacerdotes etc. – e coisas, contra o mal; (b) à salvaguarda dos fracos – mulheres, crianças e pessoas comuns em geral – do poderoso mana (influência mágica) de chefes e sacerdotes; (c) à precaução contra os perigos decorrentes do manuseio ou entrada em contato com cadáveres, ingestão de certos alimentos etc.; (d) à guarda dos principais atos da vida – nascimento, iniciação, casamento e funções sexuais etc. contra interferências; (e) à proteção dos seres humanos contra a cólera ou poder dos deuses e espíritos; (f) à proteção de crianças em gestação e de crianças pequenas que mantêm uma ligação especialmente forte com um ou ambos os pais, das conseqüências de certas ações e mais especialmente da comunicação de qualidades que se supõem derivar de certos alimentos. (ii) Os tabus são impostos a fim de prevenir contra ladrões a propriedade de um indivíduo, seus campos, ferramentas etc.

(Freud, 1913, p.19)

No primeiro modo, o pai da horta dita essa moralidade através das suas exigências para formar a sociedade. Esse texto explica de forma mítica como cada representação nos identifica a partir do pai e morte do pai da horda:

A horda patriarcal foi substituída, em primeira instância, pela horda fraterna, cuja existência era assegurada pelo laço consangüíneo. A sociedade estava agora baseada na cumplicidade do crime comum; a religião baseava-se no sentimento de culpa e no remorso a ele ligado; enquanto que a moralidade fundamentava-se parte nas exigências dessa sociedade e parte na penitência exigida pelo sentimento de culpa.

(Freud, 1913, p.105)

Pulsões e Superego

Quanto ao conceito Freud em Pulsões e seus Destinos discorre primeiramente sobre descrição sobre da pulsão e a diferença entre impulso e pulsão. Das relações externas que seriam os estímulos que podem ser “rastreáveis” e que de certa maneira sofrem ações de mobilização de movimentos e até mesmo de fuga. Enquanto as pulsões latentes a todo tempo no sujeito, não são possíveis de serem eliminadas. Ou seja, não diz respeito da ordem da escolha, mas do seu Eu interior em constante movimentação.

Como se relaciona, então, a “a pulsão” com o “estímulo”? nada nos impede de substituir o conceito de pulsão no de estímulo: a pulsão seria um estímulo para o psíquico. Entretanto, logo somos advertidos quanto a fazer equivaler pulsão e estímulos para o psiquismo. Claramente existem outros estímulos para o psiquismo além dos pulsionais; aqueles que se comportam de modo muito mais semelhante aos estímulos fisiológicos.

(Freud, 1915 p.17)

O autor a partir destas relações diferencia os estímulos pulsionais dos estímulos fisiológico anímico. Nas questões externas os estímulos podem ser suprimidos, superados, quanto os pulsionais representam a partir do organismo e não estão propensos a serem extirpados. Importante trazer que o objeto da pulsão para o sujeito é algo para realização da sua satisfação. O sujeito sempre volta atenção para repetir a experiência que foi prazerosa.

As relações sociais com as pulsões diretamente podemos citar o quanto a repressão dos nossos desejos sexuais, sai caro para a existência do sujeito.  E sobre os destinos que a pulsões podem ser direcionadas a partir da visão de Freud são: a reversão do seu contrário, o retorno em direção à própria pessoa, o recalque e a sublimação. Fazendo a relação com o pai, a cultura traz o mesmo sentimento em relação a massa, a culpa.O conceito pulsional, que é algo que não cessa, relacionado com o conceito do Superego que vem a ser o juiz do próprio sujeito, gera o conflito no sujeito. Se este gozasse de todas as suas maneiras consequentemente receberia o seu castigo na sequência. Algumas observações do autor:

Enquanto o eu é essencialmente o representante do mundo externo, da realidade, o supereu coloca-se diante dele como mandatário do mundo interno, do isso. Os conflitos entre o eu e o ideal refletirão, em última análise, como agora estamos mais dispostos a admitir, a oposição entre o real e psíquico, o mundo interno.

(Roudinesco e Plon 1998 p.744)

Freud faz um apontamento interessante que o ser humano já possui dentro si esse senso de criticidade com ele mesmo, mostrando o Superego. Essa consciência da vida, nos causa um transtorno, diferente dos animais que não tratam as suas vidas com essa necessidade proposital. Dessa forma, esse bloqueio da agressividade nos surge uma instância do Superego versus o Ego. Sendo assim, estabelecemos um conflito, gerando a culpa. No tocante a esses conflitos, e relacionando aos preceitos religiosos, temos a luta do bem contra o mal. O mal-estar vem justamente dessa angústia entre o controle dos atos e a moral estabelecida.

A severidade e o caráter repressivo do supereu não devem ser  concebidos como pura e simples repetição das características parentais. Essa severidade e essa tendência repressora manifestam-se com força ainda maior, com efeito, nos casos em que o sujeito recebe uma educação benevolente que exclua toda e qualquer forma de brutalidade; essas características são o produto do adestramento precoce das pulsões sexuais e agressivas por um supereu colocado a serviço das exigências da cultura.

(Roudinesco e Plon 1998 p.745)

Essa questão do que é internalizado, o quanto essa agressividade que iria para o externo fica intrínseca e que as pessoas que são dóceis na verdade estão recalcadas e que de alguma forma, isso aparece na estrutura do sujeito. A consciência desse estado é algo impressionante, reconhecer o quanto somos racionais, interessantes te ão incessantes…pois é, trazendo a questão do gozo, da satisfação e da felicidade. Porque o Eu precisa gozar mas o externo nos impede, uma consciência moral.

A obediência a que somos submetidos através do Supereu é exposto como possível por este. Como se o sujeito conseguisse submeter suas pulsões e aceitasse esse cumprimento animicamente.  E a Ética é um bom argumento para que este sujeito não siga suas pulsões, Freud cita o mandamento “ama teu próximo como a ti mesmo” e nesta reflexão pode-se pensar que este é um, senão a maior expressão que faz remeter ao julgarmos que a falta de amor pelo próximo seria algo muito fora dos preceitos estabelecidos na sociedade ou na religião.

O Supereu-da-cultura desenvolveu seus ideais e elevou as suas exigências. Entre as últimas, as que dizem respeito às relações dos seres humanos entre si são agrupadas como Ética. Em todas as épocas, atribuiu-se o maior valor a essa Ética, como se precisamente dela se esperassem realizações especialmente importantes. E, de fato, a Ética se volta para aquele ponto que, em qualquer lugar cultura, é facilmente reconhecível como o lugar mais frágil.

(Freud, 1930 p. 401)

Felicidade e suas implicações

Como o sentimento de prazer e felicidade na instância do individual diverge com a social e neste se apresenta uma construção de certa forma narcísica. Uma preocupação muito grande hoje vista é o que o sujeito se questiona se está feliz ou não. Essa submissão traz o aprisionamento pulsional de alguma maneira é o que aparece no seu oposto, a infelicidade, o sofrimento e a culpa.

É por isso que podemos perfeitamente pensar que mesmo a consciência de culpa produzida pela cultura não seja reconhecida como tal, que grande parte permaneça inconsciente, ou venha à luz como um mal-estar, como uma insatisfação para a qual procuramos outras motivações.

(Freud, 1930 p. 392)

De acordo com Dunker, a felicidade é um fator político:

Clinicamente, a insistência em perguntar pela felicidade é algo sintomático. Geralmente levanta suspeita em torno de uma existência desinteressante, pobre ou demasiadamente simplificada, aquela suspeita típica que nos ronda em fins de ano, aniversários e datas comemorativas. Quem é realmente feliz não faz balanço de vida nem anuncia o resultado no Facebook, mas prossegue em sua vida ignara, suficiente e soberba.

(Dunker, 2017 p.182)

Retomando a questão da ética trazida pelo Supereu, o sujeito está a todo tempo racionalizando sua felicidade e assim fazendo relações com o Outro. Nesse sentido colocar a sua felicidade nesta régua temos uma tendência à procura de algo para estar no modelo de felicidade alheio. O que em linhas gerais só seria viável se realmente estivermos dispostos a aceitar que nem todo tempo estaremos felizes, mas buscando a partir da sua própria libido.

Jean-Léon Beavois conduziu uma série de pesquisas sobre a nossa servidão liberal, o fundo ético de nosso questionamento. Ele nos ajuda a entender por que a atividade de perguntar pela felicidade atrapalha o exercício de nossas próprias escolhas, e portanto, de assumir a felicidade que elas nos facultam.

(Dunker, 2017 p. 184)

Quanto ao sentimento de solidão trazidos nos textos de Dunker, as trocas sociais de acordo com o olhar do outro interfere no prazer de estar no mundo. Esse exemplo contemporâneo deixa a mostra o quanto nos dias de hoje os sujeitos ficam muitas vezes eufóricos em demonstrar o quanto estão felizes para os outros. O que muitas vezes na sua essência não está neste estágio de sentimento. Ou o seu inverso a diferenciação entre solidão e solitude.

A solidão patológica é sentida como humilhação social, o que costuma ser resolvido por meio de mais e maiores práticas de isolamento, distância e controle sobre a presença do outro ou por meio de próteses na qual mimetizo estados de compartilhamento com o outro, que na verdade são divisões da falsa solidão. Solidão benéfica é solidão reconhecida. Cultivo da solidão é cultivo do Outro que nos habita.

(Dunker, 2017 p.31)

O autor em alguns textos elucida questões do sofrimento através do outro, interessante sobre a “Síndrome Pós-Natalina”, que trazem sintomas relativos a este momento sazonal da cultura.  Que apesar do sujeito nem acreditar nesta data ele não entra no embate mas busca realizar todos os ritos já que está inserido na sociedade. 

Asfixia não é apenas falta de ar. Eça pode se apresentar na forma de sentimentos persecutórios como os de estar sendo invadido por olhares, juízos e comparações, advindas do outro ou de si mesmo. É o cálculo da felicidade, sinal típico do desencadeamento da síndrome. Nele julgamos nossa própria situação de vida tendo em vista o padrão-ouro formado por nossa experiência infantil pregressa e.familiar. Mas atenção assim como o padrão-ouro na economia foi abolido há décadas, sem prejuízo ou dificuldade ao mercado financeiro, nossa ficção de felicidade familiar geralmente está baseada em um sistema de crenças “deformado”.

(Dunker, 2017 p.236)

Evidente, que o texto não se resume a estas palavras mas mostra com tamanha evidência o quanto diante do outro a gente reage a algumas situações por conta da massa, do estar em conformidade com o que a sociedade traz. Ainda que conscientemente saiba que esse “fazer” não tenha nenhum sentido e que a sua vida seguirá miserável, um dito de Freud em Mal-estar na cultura.

No entanto é importante ressaltar o quanto somos domesticados com a ideia que nos foi introjetada no sentimento de culpa. Colocamos nos nossos desejos já a possibilidade de autopunição, a partir do nosso mecanismo interno e do olhar do outro.

A questão do destino da espécie humana parece-me ser a de saber se, e em que medida, o seu desenvolvimento cultural será bem-sucedido em dominar a perturbação trazida à sua vida em comum através da pulsão humana de agressão e de autodestruição. Talvez, em relação a isso, a época presente mereça precisamente um interesse especial. Os seres humanos chegaram agora tão longe na dominação das forças da natureza que, com sua ajuda, seria fácil exterminarem-se uns aos outros, até o último homem. Eles sabem disso, e é daí que vem boa parte de sua atual inquietação, de sua infelicidade e de seu ânimo amedrontado. E agora é preciso esperar que o outro dos dois “poderes celestiais”, o eterno Eros, faça um esforço para se afirmar na luta contra seu adversário também imortal. Mas quem pode prever o êxito e o desfecho?

(Freud, 1913, p.405.)

Considerações finais

Ainda que os textos não sintetizem o conceito de felicidade, as relações encontradas neste, mostram que a cultura apesar de vir da disposição da formação da sociedade ela traz a insatisfação e a culpa. As adaptações necessárias para condição da convivência humana que por si já se torna inviável. Ou seja, a busca pela felicidade será eterna, não cessará. Diante da castração que temos que suportar, o nosso Eu esbarra em uma barreira e a cultura nos dá uma série de impossibilidades para que não se contenha em estado pleno, seja por bloqueios implícitos ou explícitos das pulsões, gerando o mal-estar. 

Enquanto estudante de psicanálise, ainda que nos primeiros passos…neste momento estas considerações foram possíveis para elucidar tanto a função da sociedade quanto a constituição do sujeito a partir dela.

A alienação de que a busca desse prazer pleno, e caso o sujeito não se dê conta dessa mítica, estará ainda mais insatisfeito, infeliz e suas pulsões estarão mais suscetíveis a desencadear uma fixação em objetos destrutíveis a si mesmo. A análise se estabelece com o tratamento do sintoma para que este se perceba, reconheça o que te atravessa e consiga lidar com o mal-estar seja com o Eu interno ou externo, mudando o seu sofrimento. Já que a felicidade é inalcançável.

Como Pedagoga, em constante formação, me encontrei por aqui também, já que a psicanálise se apresenta com toda magnitude de saberes e compreensões constantes. E o que restou desse primeiro percurso? Desejo de continuar estudando, conhecendo, vivenciando e ressignificando a partir dessas brilhantes considerações que os autores e professores trazem neste processo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Dunker, Christian.1966. Reinvenção da intimidade -políticas de sofrimento cotidiano. São Paulo. Ubu Editora 2017 p.19-238

FREUD, Sigmund.1913. Totem e tabu. In S. Freud. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol.13, pp.11-191). Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1913). <Disponível em: https://conexoesclinicas.com.br/wp-content/uploads/2015/01/freud-sigmund-obras-completas-imago-vol-13-1913-1914.pdf> Acesso em 15 de Dez. 2020.

FREUD, Sigmund 1915. As pulsões e seus destinos. Obras Incompletas de Sigmund Freud . Belo Horizonte: Autêntica 2019.

FREUD, Sigmund 1930. Cultura, Sociedade, Religião Obras Incompletas de Sigmund Freud O Mal-estar na Cultura e outros escritos Tradução de Maria Rita Salzano Moraes. Belo Horizonte: Autêntica. 2020 p.305-410
Garcia-Roza, Luiz Alfredo, 1936- Freud e o inconsciente / Luiz Alfredo Garcia-Roza. – 24.ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.

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